terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Coisas que Mentimos para Nós Mesmos - VIII

Hoje é dia de mostrar a timeline cara-de-pau.

O que é isso? Datas, pessoal! Simplesmente atenção às datas!

Esconder ou alterar uma sequência temporal é uma das formas mais insidiosas de "provar" argumentos, ou pior estabelecer nexos causais espúrios.

Infelizmente, a enorme maioria das pessoas não presta atenção nisto. Mas é remediável...

Há dois pontos a serem observados
  1. Existe uma sequência temporal? Há nexo causal entre possível causa e efeito?
  2. A sequência temporal faz sentido? Há tempo de menos ou tempo demais entre ação e reação?
Observando estes dois pontos já se elimina grande parte da argumentação histórica falaciosa. Vamos a um exemplo?

Este é bastante rechonchudo: a ditadura militar de 1964 e a guerrilha de esquerda que se seguiu.

Notem um detalhes: entre o golpe 04/1964 e a primeira "reação" em 07/1966 há um interstício de 2 anos! Já se perguntou por que?

Melhor ainda: se o regime era essa malvadeza toda, por que a demora de 2 anos até surgir uma reação? Quão realmente impopular foi o golpe de 1964 em 1964?

Sim, sim, houve alguma resistência ao golpe no Rio Grande do Sul, mas na realidade seu papel nem de perto chega ao nível das manifestações de guerrilha ocorridas depois.

A pergunta malvada permanece: quais os fatores que levaram a que a reação só ocorresse dois anos após o golpe? Responda a pergunta e provavelmente saberá um pouco mais sobre o Brasil de 1964 e de quebra mais sobre o Brasil dos últimos 30 anos...

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Mercadores de Dúvidas

Este é o título do livro que acabei de ler no domingo (18/12/11).

O livro tem um espírito não totalmente dissimilar ao deste blog. Ele trata de expor grupos de pressão que se valem de credenciais acadêmicas e de marketing jornalístico para fazer valer suas idéias, enquanto denigrem ou  incutem dúvidas sobre a argumentação oposta.

A diferença marcante está que estes grupos atacam sociedade científicas e cientistas bem estabelecidos e bastante sérios.

Ou pelo menos é o que o livro tende a ilustrar.

Na realidade, o livro sofre dos mesmos problemas que confronta. Há situações aonde os autores acusam os grupos de pressão de determinada ação, somente para páginas depois fazerem precisamente a mesma coisa.

Ainda assim, o livro é um tour de force. Há um website com mais informações a respeito aqui.

Mas há algo que é importante frisar: o livro ilustra como agenda políticas tendem a se superpor a questões científicas. Isto, ao contrário do que os autores tentam fazer parecer, não é privilégio de uma ou outra corrente ideológica. O problema real é que este tipo de atuação é comum para todas as causas em que há questões econômicas envolvidas (principalmente aonde há uma etiqueta de preço).

Podemos facilmente adaptar vários dos pontos levantados no livro sobre os mercadores da dúvida (assim chamados pois a função deles é levantar dúvidas sobre consensos científicos) para o caso mais conhecido no Brasil como o da Usina de Belo Monte.

Só que aí, os mercadores de dúvidas não pertencem ao espectro político da direita...

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Educação: Amostragem e Confiança

Já pensou em como descobrir algo usando amostragem?

Eu já pensei nisso na questão da educação. Como? Meu questionamento era descobrir quantas questões deveria ter uma prova.

Sim, isto mesmo. Podemos pensar na prova como um teste estatístico aonde através de um conjunto de experimentos (cada questão), tentamos descobrir o quanto o estudante sabe do assunto. Ou seja é um problema não totalmente dissimilar ao de saber quantas bolas de determinada cor existem em um saco cheio de bolas multicoloridas.

É uma simplificação? Claro, mas as similaridades são maiores que as diferenças. Então a pergunta é: quantas bolas eu tenho de tirar de um saco para ter uma idéia da proporção de uma determinada cor?

A resposta é que para ter uma resposta exata, você precisa tirar todas as bolas. Mas para ter uma resposta com determinada probabilidade o número pode ser substancialmente menor. E é esta a questão... O problema é bastante similar ao de determinar o número de espécies em ecossistema por amostragem.

Bem, isto pode ser visto como um problema de repetição de Bernoulli aonde você tem proporções de p bolas da cor que você está interessado e q=1-p bolas de outras cores. A questão interessante é você descobrir quanto é aproximadamente p dado N repetições (p+q)^N.

Vamos começar supor que a cor é branca com p=2/3. Se tiramos 3 vezes teremos como possibilidades:
  • 29.62% de chances de tirarmos 3 bolas brancas (p=1)
  • 44.44% de chances de tirarmos 2 bolas brancas e 1 bola não branca (p=2/3)
  • 22.22% de chances de tirarmos 1 bola branca e 2 bolas não brancas (p=1/3)
  • 3.7% de chances de tirarmos 3 bolas não brancas (p=0)
Isto dá 66.66% de chances de p estar entre 1/3 e 2/3 Vamos supor agora que tiramos 6 vezes:
  • 8.78% de chances de tirarmos 6 bolas brancas (p=1/6)
  • 26.33% de chances de tirarmos 5 bolas brancas e 1 bola não branca (p=5/6)
  • 32.92% de chances de tirarmos 4 bola branca e 2 bolas não brancas (p=2/3)
  • 21.94% de chances de tirarmos 3 bolas brancas e 3 bola não branca (p=1/2)
  • 8.32% de chances de tirarmos 2 bola branca e 4 bolas não brancas (p=1/3)
  • 1.65% de chances de tirarmos 1 bola branca e 5 bolas não brancas (p=1/6)
  • 0.13% de chances de tirarmos 5 bolas não brancas (p=0)
Isto dá 81.21% de chances de p estar entre 1/2 e 5/6. Em 36 repetições temos 89% de chance de p estar entre 0.55 e 077

Bem, dá para entender a idéia.

Só que no caso das provas queremos saber não o valor exato, mas a probabilidade dele ser menor que um determinado ponto. Por exemplo, se a proporção é 2/3, qual a chance de tirarmos menos do que p=0.5 por exemplo:
  • No caso de tirarmos 3 vezes esta chance é de 55.7%
  • No caso de tirarmos 5 vezes esta chance é de 10.0%
  • No caso de tirarmos 36 vezes esta chance é de 1.2%
O problema é naturalmente quando a proporção é 1/2, um pouco acima de 1/2 (por exemplo 0.51), ou um pouco abaixo de 1/2 (por exemplo 0.49). No caso de 0.51, se tirarmos 36 vezes, a chance de encontrarmos uma proporção abaixo de 0.5 é de 38.7% (naturalmente, a chance de encontrarmos uma proporção abaixo de 0.42 é 9.88%).

O problema em questão é que quando a proporção é próxima a 1/2, o número de experimentos necessários (que no caso poderiam ser consideradas questões independentes de uma prova aumentam de modo significativo). Isso significa que o número de questões independentes para ter resolução suficiente para distinguir uma nota 4 de uma nota 5 também aumenta.

Vamos a questão real: Dado que a nota real do aluno é 5, qual o número de questões necessárias para garantir com 99% de confiança que a nota obtida em uma prova (na realidade uma avaliação satisfazendo conceitos de aleatoriedade e independência de eventos), seja maior que 4.75?

Se fizermos uma aproximação gaussiana (considerando o limite de uma repetição de Bernoulli), chegamos que para satisfazer:
  • 0.25 precisamos de 2655 questões
  • 0.50 precisamos de  665 questões
  • 0.75 precisamos de 296 questões
  • 1.00 precisamos de 166 questões
  • 1.25 precisamos de 106 questões
  • 1.50 precisamos de 74 questões
  • 1.75 precisamos de 54 questões
  • 2.00 precisamos de 42 questões
  • 2.25 precisamos de 33 questões
  • 2.50 precisamos de 27 questões
  • 2.75 precisamos de 22 questões
  • 3.00 precisamos de 18 questões
  • 3.33 precisamos de 15 questões.
O que significa isso? Que do ponto de vista de escolha de questões aleatoriamente, uma prova com 100 questões dá pouco mais que uma resolução na nota de 1.29 pontos. Uma prova com 42 questões permite separar em quatro níveis: Superior, Médio-Superior, Médio, Médio-Insuficiente, Insuficiente. Já uma prova com 15 questões dá uma resolução de 1/3 (Superior, Médio, Insuficiente). Uma prova com 7 questões tem uma resolução próxima a 1/2 (Passa, Não Passa).

Mas o que realmente acontece? Bem, os professores acreditam na capacidade de resolução dos seus instrumentos de avaliação. Acreditam tanto que, em grande parte, atribuem capacidade de diferenciação entre alunos que os instrumentos não tem garantia de possuir. Uma prova com 7 questões (aleatórias e independentes) garante a resolução binária do passa-não passa, mas não é o instrumento para diferenciar alunos de rendimento superior, médio ou insuficiente. Para tanto é necessária uma prova de 15 questões aleatórias e independentes.

Como garantir uma avaliação isenta então? Primeiro é necessário um banco de questões independentes tratando do assunto em estudo. Depois é necessário que estas questões sejam escolhidas aleatoriamente. Se 7 questões forem escolhidas, será possível diferenciar os estudantes nas categorias Passa e Não Passa (ou Suficiente e Insuficiente). Se 15 questões forem escolhidas é possível diferenciar os estudantes em 3 categorias: Superior, Médio e Insuficiente. Com 42 questões é possível diferenciar os estudantes em 5 categorias (Superior, Médio-Superior, Médio, Médio-Insuficiente e Insuficiente).

Tudo isto é uma aproximação. Mas uma daquelas extremamente educada!

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Ler o livro que é bom ninguém faz...

Li uma versão do livro Privataria Tucana de Amaury Ribeiro Jr. Assim o fiz por pensar que antes de acreditar no que os outros falam, creio que é melhor verificar as informações da melhor forma possível.

Como verificar a informação da melhor forma possível consistia em ler o livro, então foi isto o que fiz.

O resultado foi revelador...

Não pelo conteúdo do livro em si, este já era mais ou menos conhecido de antemão. Também não foi pela multitude de documentos digitalizados que fazem parte do livro (cerca de 1/4 ou mais do livro são estes documentos).

O que foi revelador? A reação das pessoas. Sim, isto mesmo. Poderia dizer até: polarização de confirmação para todos os lados. E o melhor: suspeito fortemente que a enorme maioria sequer leu o livro.

Como posso dizer isto? Bem, eu li o livro e vendo o que as pessoas escreveram a respeito, fica claro que a enorme maioria não leu.

Em primeiro lugar, o livro trata essencialmente de lavagem de dinheiro - que não é propriamente lavagem de dinheiro, mas remessas para o exterior em paraísos fiscais. E mais ainda: não há prova de irregularidade nisto. Sequer há prova que o dinheiro enviado tenha alguma coisa a ver com as privatizações.

Em segundo lugar, o livro traz problemas na linha do tempo descrita. José Serra foi ministro do planejamento de 1995 a 1996, sendo que privatização que o livro foca ocorreu pelo menos dois anos após este período, justamente quando ele estava como ministro da saúde. Isto por si só complica a argumentação que Serra teve alguma coisa a ver com isso (e com os demais citados também). O que poderia ser relevante é a informação que Serra montou um grupo de arapongas quando ministro da saúde - só que aí fica a questão que o próprio autor poderia ser incluído na pecha de araponga.

Em terceiro lugar, por todo o livro sente-se a impressão palpável que o livro foi escrito com os objetivos de colocar o autor em uma luz favorável, atacar Serra e outras pessoas. O autor vez por outra esquece da "isenção jornalística" e parte para o ataque direto sem luvas. Certamente que vários dos políticos citados não são santos, e também me arriscaria a dizer que vários tem culpa no cartório. Mas o livro não deixa isso realmente claro e cristalino. Tudo é muito circustancial e pode ser interpretado justamente como apenas uma visão enviesada da questão.

Em suma, se o livro fosse base para montar um caso de polícia, qualquer juiz iria derruba-lo por inconsistência em dois ou três tempos.

Mas como aqui estamos interessados é nas mentiras que as pessoas contam, vou fornecer um pequeno roteiro de perguntas que podem atrapalhar o "papo cabeça" dos que não leram, mas dizem que sim:
  1. De que Serra é acusado no livro?
  2. De que Eduardo Jorge é acusado no livro?
  3. De que FHC é acusado no livro?
  4. Como o livro prova que a grana da privatização é a grana da lavagem de dinheiro?
  5. Qual é a relação do autor com orgãos de informação?
Isto deve bastar para fazer os mais afoitos pensarem um pouco em LER o livro antes de critica-lo ou elogia-lo.

Portanto meu conselho é: leiam o livro e tirem suas próprias conclusões. Mais uma vez: ler o livro é fundamental para ter opiniões embasadas

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Coisas que Mentimos para Nós Mesmos - VIII

Certamente sabemos quando uma política, ou ação faz efeito, não?

Bem, na realidade temos a tendência a torcer um tanto a realidade para fortalecer o que achamos. Não dá é claro para torcer demais antes de começar a mentir de verdade. Mas dá para torcer o suficiente para suportar uma dúvida razoável.

Exemplo? Lei Seca! Diminuiu o número de acidentes? Aumentou o número de acidentes?

A triste verdade é que não dá para ter certeza nem de um nem de outro. Como pode ser? Bom, os números podem ser suficientes para afirmar que não se pode afirmar.

Antes de chegar nisto temos de saber qual é o tamanho do problema. Se formos olhar pelas blitzes e notícias temos informações conflitantes. Mas pelos números dá para ver que algo entre 5% e 20% dos condutores abordados foi multada (p(dirigindo embriagado | abordado)).

p(dirigindo embriagado) = p(dirigindo embriagado | abordado)*p(abordado) + p(dirigindo embriagado | não abordado)* p(não abordado)

Se a abordagem for puramente aleatória (as chances de ser abordado e não abordado são iguais e dirigir embriagado e ser abordado são independentes - o que na realidade não é, então podemos considerar que p(dirigindo embriagado) é p(dirigindo embriagado | abordado). Dado que a maioria das Blitzes ocorre a noite, eu consideraria que 10% dos motoristas é um compromisso razoável com relação a dimensão do problema.

Muito bem, qual o percentual de acidentes que estes 10% poderiam causar? Teoricamente é muito alto, mas estamos interessados nos acidentes com vítimas.Bem, supondo alguns cenários eu diria que nestes casos extremos o tamanho do estrago teria o teto de 11%. Por que? Bom, de modo simples eu iria pelo número médio de envolvidos em acidentes (em Brasília isto é 1.1) - isto seria o fator multiplicador dos 10%. Então teríamos reduções de média de até cerca de 11% neste modelo.

Muito bem, mas como é que a realidade se comporta?:

Olhando a série histórica dos acidentes fatais temos que antes da lei seca a média anual era de 405 com desvio padrão de 31. Depois da lei seca a média ficou em 410 com desvio de 24.

Não é possível afirmar que houve diferença significativa! Mesmo uma variação de 11% cairia dentro de pouco mais do que um desvio padrão. Seria necessário um número suficientemente grande de amostras para se afirmar que houve uma variação significativa.

Aliás diga-se de passagem: a alteração de 405 para 410 está dentro do desvio padrão anual. Ou seja: não dá para afirmar que aumentou ou diminuiu!


Eu sei que não é esta a informação que gostaríamos. Mas é como as coisas são...

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

A ilusão e outras drogas



Saiu no Jornal de Brasília uma reportagem sobre a ligação entre os homicídios dolosos e o uso de drogas.

O primeiro parágrafo é bem definitivo:

"No Distrito Federal, mais da metade das vítimas de homicídios dolosos praticados com arma de fogo tinham traços de cocaína, maconha ou das duas drogas juntas circulando pelas correntes sanguíneas. Em um estudo denso e inédito, médicos-legistas e toxicologistas do Instituto Médico-Legal necropsiaram um universo de 470 corpos e o resultado foi emblemático: 235 vítimas (63%) haviam consumido drogas pouco antes de morrer."

Como o número da amostra dá margem para tanto, vou dizer que 2/3 das vítimas haviam consumido drogas antes de morrer. Em termos estatísticos isto significa que p(consumiu drogas| vítima de homicídio doloso) = 2/3. Naturalmente isto quer dizer que p(não consumiu drogas| vítima de homicídio doloso) =1/3.

A reportagem tende a elaborar mais sobre o assunto mostrando que:
p(consumiu várias drogas | vítima de homicídio doloso) = 1/3
p(consumiu cocaína e/ou derivados | vítima de homicídio doloso) = 1/4
p(consumou somente maconha | vítima de homicídio doloso) = 1/12

A priori, esta informação pode servir para estimar a probabilidade de ser vítima de homicídio doloso dado que é consumidor de droga. De modo clássico este valor é dado:

p(consumiu drogas| vítima de homicídio doloso)*p(vítima de homicídio doloso) = p(vítima de homicídio doloso | consumiu drogas) * p(consumiu drogas).

Segundo esta referência, no caso da cocaína é cerca de 3/100 (p(consumo cocaína) = 3/100). Como o p(vítima de homicídio doloso) é 22/100000, p(consumo cocaína | vítima de homicídio doloso) = 1/4 temos por Bayes:

1/4*22/100000=p(vítima de homicídio doloso | consumiu drogas)* 3/100

O resultado é um surpreendente 11/6000. Isto quer dizer que enquanto a chance de ser vítima de homicídio doloso no DF é de 1 a cada 5000 (11 a cada 50000), a de ser vítima de homicídio dado que é consumidor de cocaína é de cerca de 1 a cada 600 - ou seja é 10 vezes mais perigoso!

Claro que a chave disto é a estimativa de consumo de drogas. Se por acaso este número for 10 vezes maior (3/10), então o valor tende ao esperado sem o consumo de drogas (11 a cada 60000) - ou seja, o número de usuários é uma fração razoável da população.

Note que isto causa um problema moral:
  • Se supormos que o consumo de cocaína não afeta a probabilidade de ser vítima de um homicídio doloso, então uma parcela razoável da população (30%) deve estar consumindo cocaína.
  • Já ao supormos que o consumo de cocaína afeta a probabilidade de ser vítima de um homicídio doloso, então consumir cocaína deve aumentar significativamente a chance de ser esta vítima.
Encruzilhada difícil, não?

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A Média é Medíocre?




A resposta é nem sempre.

Antes de mais nada, a conotação negativa de medíocre é como chifre (uma coisa que colocam na nossa cabeça). Tem até nome para isso: superioridade ilusória.

Nada melhor que esclarecer algumas coisas antes. Primeiro: a diferença entre média e mediana. Tecnicamente, os dois são iguais para distribuições simétricas (com terceiro momento nulo). Este é o caso das distribuições normal e da uniforme.
Então enquanto a mediana divide a distribuição em pedaços iguais (50% - 50%), a média trata do meio do conjunto de dados. Como já foi dito, as duas coincidem no caso de distribuições simétricas.

Mas se a distribuição não for simétrica, a história é completamente diferente. Aí a média e a mediana não são necessariamente coincidentes e pode realmente haver mais de 50% acima da média (mas não 50% acima da mediana).
Vamos ao exemplo: seja uma distribuição discreta composta por 4 elementos. Cada um destes 4 elementos recebem uma "nota" que varia de 0 a 10. Sejam 2 elementos com nota abaixo de 5 e 2 elementos com nota acima de 5.
  • Caso 1: Conjunto de notas {1, 2, 8, 9} - Média 5.0 e Mediana 5.0
  • Caso 2: Conjunto de notas {1, 5, 7, 9} - Média 5.5 e Mediana 6.0
  • Caso 3: Conjunto de notas {4, 4, 7, 9} - Média 6.0 e Mediana 5.5
  • Caso 4: Conjunto de notas {1, 5.75, 6.25,9} - Média 5.5 e Mediana 6.0
  • Caso 5: Conjunto de notas {4, 4, 5, 9} - Média 5.5 e Mediana 4.5
Como a mediana divide a distribuição em dois pedaços iguais, então necessariamente 50% dos elementos serão maiores ou iguais a mediana e 50% serão menores ou iguais a mediana. O que os exemplos acima mostraram é que podemos ter mais de média e mediana diferentes (e por conseguinte, mais ou menos gente abaixo da média). Vejam os exemplos dos casos 4 e 5, no caso 4 temos 3 notas acima da média, mas 2 notas acima da mediana. No caso 5 temos 3 notas abaixo da média , mas duas notas abaixo da mediana.

Olhando este exemplo podemos afirmar: é possível ter 75% abaixo ou acima da média, mas nunca se pode se dizer isso com relação a mediana.

A diferença é sútil, mas suspeito que caímos na armadilha de acreditar que pensamos assim pela costumeira impressão de suspeitar que a distribuição é simétrica.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Coisas que Mentimos para Nós Mesmos - VII


Você sabe o resumo da coisa, ou a coisa inteira?

Perguntinha básica, mas importante! No frigir dos ovos, na maioria dos casos o que sabemos é apenas o resumo da coisa. E nisto a coisa pode ser uma nova teoria científica, um novo medicamento, uma possível pandemia, ou mesmo um novo estudo sobre algo relevante.

Isto quer dizer que só conhecemos a narrativa e não a história. A diferença entre os dois é que a narrativa é construída por um interlocutor (que pode ser um relator), e a história é uma coleção de figuras, fatos e números. A conexão histórica ainda precisa ser montada - preferencialmente por alguém de confiança e alguma isenção.

Vamos a alguns exemplos?

Considere o caso do famoso do efeito coriolis. Este efeito é usado para justificar que a água na pia gira em um sentido no hemisfério e no sentido oposto no outro hemisfério. Isto seria a explicação perfeita se não fossem dois pequenos problemas: o primeiro é que não é verdade que a água na pia gira num sentido em hemisfério e no sentido oposto no outro. E o segundo problema é que se colocarmos os números na força de coriolis no caso da pia veremos que a pequenas vibrações locais tem muito mais influência do que esta força.


Este é um exemplo em que conhecemos a narrativa e a confundimos com a história - ou seja, sabemos o resumo e achamos que entendemos o que está acontecendo.

Um outro exemplo é o mito de que beber corta o efeito de antibióticos. Este não é propriamente um mito, mas uma generalização exagerada do problema: na realidade algumas bebidas atrapalham os efeitos de alguns antibióticos. Como o problema é complexo, então ficamos com um resumo da coisa (álcool corta efeitos de antibióticos), ao invés da história completa (bebida A atrapalha antibiótico B). Algo similar ocorre com equipamentos emissores de energia eletromagnética e aviões.

Este blog tem vários exemplos de resumos furados que acabaram substituindo a história real (a questão do que determina das estações do ano, quantos meses há em um ano se há 4 semanas por mês e 7 dias por semana, que as velocidades de carros colidindo em sentidos opostos não se somam, entre outras coisas).

O fato é que é importante perceber a diferença entre conhecer a narrativa e conhecer a história. Conhecer a narrativa é apenas reproduzir o que outras pessoas dizem, mas conhecer a história é montar a SUA narrativa.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O Mito da Soma de Velocidades

Você já deve ter ouvido falar da história que "colisão frontal entre dois carros a 100 km/h é equivalente a uma colisão entre um carro e uma barreira de concreto a 200 km/h".


Isso na realidade é falso. Primeiro vamos ver um vídeo que mostra exatamente que é falso. Depois vamos ver a física por trás.

Muito bem, agora vocês viram que a história é mito. Na realidade um modelo bem simples é o de uma colisão elástica unidimensional. As equações básicas são conservação de momento e conservação de energia.
Conservação de Momento:
\,\! m_{1}u_{1}+m_{2}u_{2}=m_{1}v_{1} + m_{2}v_{2}.
Conservação de Energia:
\frac{m_1u_1^2}2+\frac{m_2u_2^2}2=\frac{m_1v_1^2}2+\frac{m_2v_2^2}2.
Resolvendo estas equações temos dois conjuntos de soluções possíveis, sendo que a solução :
v_{1} = \frac{u_{1}(m_{1}-m_{2})+2m_{2}u_{2}}{m_{1}+m_{2}} , v_{2} = \frac{u_{2}(m_{2}-m_{1})+2m_{1}u_{1}}{m_{1}+m_{2}}
Então podemos substituir cada caso e ver o que acontece. No caso de objetos com mesma massa indo em direção oposta, o que acontece é uma troca de velocidades.

O que acabo de mostrar? Que você já sabia a resposta, mas nunca nunca parou para pensar a respeito.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Preste atenção quando argumenta...

Frequentemente entramos em discussões por um motivo ou outro. Talvez devido a natureza de confronto destas muitas discussões, por vezes caímos em armadilhas argumentativas.

Uma dessas é muito comum e terrivelmente fácil de ser seguida: mudança do tópico da discussão.

Um exemplo? Vamos dizer que você está discutindo com uma pessoa sobre a pontualidade da mesma - que digamos ser fraca. Então de repente, a discussão de repente envereda pela capacidade de cumprir as tarefas no tempo programado - que digamos ser forte.

Nesta mudança de tópico, a crítica a pontualidade se perde e claramente deixa de ter sentido. Mais ainda: ao trocar uma crítica em um ponto fraco, por outra em um ponto forte, muito provavelmente a razão da discussão fica perdida. E a mensagem também...

Então quando entrar em uma discussão ou debate há de se cuidar para não ser levado para campos desconhecidos.

Quais são as regras nesse caso? Não fuja do tópico em questão por mais tentador que isto pareça.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Inexorabilidade Histórica? Think again...

Já ouviu falar da tese da inevitabilidade histórica? Muitas pessoas utilizam este conceito de uma forma mais personalizada na forma do "o que tem que acontecer, acontece"

Mas será que os acontecimentos não dependem também de fatores aleatórios ou mesmo de decisões individuais de repercussão apenas dos envolvidos?

SE você acha que não, então eu peço que conheça Henry Tandey.

Em 1914, poupou a vida de um jovem cabo ferido na linha de batalha.
Conheça o cabo:

Parece familiar? Deveria...

Muito bem, pela decisão individual de um indivíduo tivemos toda uma série de eventos que no fim das contas moldou o mundo moderno.

Aonde esta a inevitabilidade agora?

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Coisas que Mentimos para Nós Mesmos - Parte VI

Que poder tem as figurinhas mal-feitas... Você já viu a figura abaixo?


A coisa na realidade não é bem assim....

Recebi um texto de um professor amigo meu, e o texto levanta um ponto muito importante: entendemos a informação que recebemos?

O ponto em questão é a distância do sol à terra. Como sabemos a órbita da terra é uma elipse. Mas, talvez muitos não saibam que o círculo também é uma elipse - cuja excentricidade é zero.

E no caso do sistema terra-sol, esta excentricidade é de apenas 0.017. Isto significa que esta elipse é quase um círculo (raio maior de 1.017 e raio menor de 0.983). Sério... estamos falando de algo assim:

Se compararmos com outros planetas, teremos diversas outras excentridades(Marte 0.09, Vênus 0.007,Júpiter 0.05, Saturno 0.06, Urano 0.04, Mercúrio 0.21).

Naturalmente, excentricidades próximas de zero fazem elipses próximas de círculos. E excentricidades próximas de 1 fazem elipses bem alongadas. No caso da terra, a elipse é muito próxima de um círculo...

O pior é que é bem óbvio, uma vez que se pense um pouco a respeito do assunto...

E nem vou falar que os planetas não estão plano definido pelo equador do sol... Ora bolas, nem vou falar que os planetas não estão em um plano comum...

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A Catástrofe de Belo Monte

Os ânimos estão acirrados. Há vídeos na internet a favor e contra* a construção da usina de Belo Monte.

Então o que é a catástrofe de que falo no título: a construção ou seu impedimento?

Na verdade, não é nenhum dos dois. A catástrofe é que as meias verdades e mentiras estão dominando o debate. E como este blog trata exatamente destas questões, então vamos a elas.

O pessoal do consórcio montou um blog que explica muita coisa. Mas o problema é mais sério, pois a difusão de informação está sendo prejudicada por meias verdades - até levantadas pelo próprio site. Então para isto resolvi elencar 10 informações importantes acerca de questões relevantes sobre Belo Monte:
  • A primeira informação a se saber é nada é de graça. Belo Monte terá impactos ambientais e sociais. Alguns deles desconhecidos. Não se sabe sequer se serão positivos ou negativos para sociedade brasileira, embora se imagine que a usina trará mais desenvolvimento para região (o que para alguns é uma coisa ruim, e para outros é uma coisa boa).
  • A segunda informação a saber é que toda geração de energia tem um custo associado. Aliás se formos precisos na linguagem, o termo correto não é "geração de energia", e sim "conversão de energia". Energia advinda de usinas térmicas tem um determinado custo (R$ 143,00/MWh), energia advinda de usinas eólicas (R$ 148,00/MWh) também tem um custo e energia advinda de usinas solares também tem um custo (R$ 500,00/MWh).
  • A terceira informação é que não dá para prescindir da energia de Belo Monte. O custo de não ter a energia é muito mais alto do que o custo de tê-la. Mas também é importante saber que existem outros tipos de fontes de energia que poderiam ser usadas. A escolha pela energia hidrelétrica foi determinada por ser a alternativa de custo mais baixo. E quando falamos mais baixo, não é pouca coisa não (R$ 77,97/MWh).
  • A quarta informação é que quem paga o custo da energia é o consumidor. Isto é todos que usam energia elétrica. Como o sistema é compartilhado, o uso de energia com custo mais caro encarece para todos. Mas se isto não fosse feito seria impossível custear o sistema como um todo (e não apenas Belo Monte).
  • A quinta informação é que crescimento econômico e disponibilidade de energia elétrica barata estão correlacionados positivamente. Isto quer dizer que energia cara atrapalha o desenvolvimento econômico, e o mesmo pode ser dito da indisponibilidade.
  • A sexta informação é que Belo Monte foi sim debatido exaustivamente na sociedade. Há mais de 30 anos que se debate Belo Monte nos mais diversos foros. Já teve debates no congresso nacional, em conferências, em universidades... Com a presença de indígenas e sem a presença de indígenas. Infelizmente há quem ainda diga que "não houve debate" ou que "não foi debatido o suficiente". 
  • A sétima informação é que a lógica econômica é que geralmente determina escolhas do tipo de energia a ser utilizado. O uso de energias alternativas é substancialmente mais caro que as escolhas tradicionais, e isto irá certamente encarecer a energia no curto e médio prazo. Então estas energias são escolhidas quando, em geral, as escolhas tradicionais trazem um custo associado fora do razoável ou podem ser até impossíveis de implantar.
  • A oitava informação é que a radicalização gera radicalização. Ao se denominar as pessoas que pensam diferentes de "burros", "plays" ou "ecochatos" perde-se a oportunidade de identificar os pontos aonde há uma certa razão na argumentação do lado oposto.
  • A nona informação é que um vídeo de protesto, divulgação ou apoio tem que começar pelo princípio de que toda informação nele é precisa. Errar em um ponto pode ter o efeito deletério de minar outros pontos que sejam corretos. E ao contrário do que o vídeo contrário à construção diz, o parque nacional do Xingu não fica nem Pará ( e sim em Mato Grosso) e nem perto de Belo Monte. O que fica perto de Belo Monte é o município de São Félix do Xingu. Isto meio que estraga o "Você já foi a Amazônia?" do início do vídeo e levanta dúvidas sobre outros pontos.
  • A décima informação é que todas formas de "geração de energia" tem um impacto ambiental. A diferença é que sabemos o impacto de algumas delas, mas desconhecemos o de outras. Não há, repito, nada de graça. Tudo tem um custo associado - não se tira algo da natureza sem algum tipo de retorno
Talvez esta última informação fosse a mais importante.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Reconhecendo a calhordice


Preste atenção nesta imagem...

Os chavões "Pela Ética", "Fora Corrupto", "Justiça" e "Chega de Corrupção" são claramente mentirosos.

Sim... Isto mesmo. Se eles fossem reais, deveriam estar presentes nos dois casos da charge.

Então, nestes casos, estes chavões eram apenas uma forma "ética" de acusar o adversário de ser bandido. Se o adversário era bandido ou não, isto era o menor dos detalhes...

Este comportamento é conhecido como assassinato de caráter. E pode ser encontrado em membros de todo espectro político.

Mas é importante reconhecer quem levanta estas bandeiras apenas quando convém...

São calhordas mesmo...

Mas talvez eu esteja sendo muito duro, ou não?

Hummm...Não creio

Se as "virgens vestais" da moral superior admitissem os seus erros... Aí talvez o comportamento pudesse ser perdoado. O duro é que não é como funciona...

O que acontece? Quando os calhordas, ou os que estes apoiaram são pegos de calças curtas, então há um roteiro previsível: negação, acusação do acusador e por fim "todos fazem isto".

Felizmente há variações: no caso do governador de Brasília temos que "palavra de um governador de Estado já é, por si, uma prova"(believe it or not)