segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Coisas que Mentimos para Nós Mesmos - 12

No domingo li sobre a questão da reintegração de Pinheirinhos.

Francamente não tenho informações suficientes para decidir condenar ou apoiar a ação de reintegração. Mas notei claramente que havia exageros correndo soltos. No domingo tive a notícia de sete mortos na reintegração, quando depois a notícia se mostrou inverídica. E claro, as pessoas não admitem que estavam erradas...

Outro ponto interessante é informação que a área tem cerca de 1 milhão de metros quadrados. Isto é absolutamente verdadeiro. Mas o número foi colocado para chocar...

Duvida? Vamos reescrever o parágrafo com o mesmo dado, mas com grafias diferentes.

Original: Com dois helicópteros, carros blindados e cerca de 2 mil soldados do Batalhão de Choque, a Polícia Militar cumpriu ontem o mandado de reintegração de posse do Pinheirinho, área de 1,3 milhão de metros quadrados em São José dos Campos, interior paulista. Segundo a PM, não houve resistência, mas três manifestantes ficaram ferido, 18 foram presos e oito veículos foram incendiados, entre eles um carro da TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo.

Alternativo 1:Com dois helicópteros, carros blindados e cerca de 2 mil soldados do Batalhão de Choque, a Polícia Militar cumpriu ontem o mandado de reintegração de posse do Pinheirinho, área de 1,3 quilômetros quadrados em São José dos Campos, interior paulista. Segundo a PM, não houve resistência, mas três manifestantes ficaram ferido, 18 foram presos e oito veículos foram incendiados, entre eles um carro da TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo.

Alternativo 2:Com dois helicópteros, carros blindados e cerca de 2 mil soldados do Batalhão de Choque, a Polícia Militar cumpriu ontem o mandado de reintegração de posse do Pinheirinho, área de 130 hectares em São José dos Campos, interior paulista. Segundo a PM, não houve resistência, mas três manifestantes ficaram ferido, 18 foram presos e oito veículos foram incendiados, entre eles um carro da TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo.

Alternativo 3:Com dois helicópteros, carros blindados e cerca de 2 mil soldados do Batalhão de Choque, a Polícia Militar cumpriu ontem o mandado de reintegração de posse do Pinheirinho, área de 160 alqueires em São José dos Campos, interior paulista. Segundo a PM, não houve resistência, mas três manifestantes ficaram ferido, 18 foram presos e oito veículos foram incendiados, entre eles um carro da TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo.

Notou a diferença? A primeira grafia tem um efeito mais forte (1 milhão de metros quadrados certamente soa maior que 1 quilometro quadrado, 100 hectares ou 121 alqueires). Mas as medidas são equivalentes.

Então o que este exemplo prova é que é possível alterar a percepção de uma notícia apenas mudando a forma de se escrever. Este tipo de "adequação métrica" também aparece quando falamos de volumes (1 metro cúbico são mil litros, mil metros cúbicos são 1 milhão de litros, já 1 quilometro cúbico são 1 bilhão de metros cúbicos, ou um trilhão de litros).

Infelizmente não posso provar, mas suspeito fortemente que estas "adequações métricas" tem o objetivo de induzir de modo subliminar o leitor para tomar um determinado lado (chamando a ação de massacre, por exemplo; ou achismo jurídico, ou da sugestão de uma conspiração com a Opus Dei).

domingo, 29 de janeiro de 2012

Viagem ao Fundo do Mar

E seguimos com o seriado Viagem ao Fundo do Mar. O seriado foi baseado em um filme com relativo sucesso (e o enredo foi até utilizado no episódio "The Sky is on Fire").
O seriado contava as aventuras do Almirante Nelson e sua tripulação (o capitão Crane, o imediato Chip Morton, Stu Riley, Patterson, Kowalski e Chefe Sharkey) na exploração submarina. Além do seriado, foram feitas algumas histórias em quadrinhos.
A exploração submarina era realizada com o submarino Seaview (que eu na minha infância achava que era o submarino civil). Notem que o esquemático abaixo do submarino tem um conjunto de 4 janelas, sendo que na foto no início deste post o mesmo submarino tem 2 conjuntos de 4 janelas. Existe uma razão para esta diferença.
A série durou de 1964 a 1968, sendo boa parte colorida (isto era importante na televisão dos anos 60 - mas custava caro). A abertura é conhecidíssima pelos que viram este seriado nos anos 70.

O episódio piloto Eleven Days to Zero introduziu a audiência aos personagens do seriado (um deles infelizmente faleceu e foi substituído pelo chefe Sharkey).

O show tinha elementos de espionagem (guerra fria, mais uma vez), ficção científica e a coisa foi indo ladeira abaixo com o passar do tempo (nazistas, baleias assassinas, piratas,viagem no tempo, alquimistas e assim vai). A música era de excelente qualidade e pode ser ouvida a seguir (aqui está disponível uma versão ampliada).
 Various Artists - Voyage To The Bottom Of The Sea - The Seaview Theme .mp3
Found at bee mp3 search engine
Naturalmente, os efeitos especiais eram feitos com miniaturas. O modelo do submarino em si tinha três versões (uma de 1.2 m, outra de2.4 m e finalmente uma de 5.5 metros). A explicação para a estranha alternância entre uma versão com um conjunto de 4 janelas para dois conjuntos de 4 janelas é facilmente explicada: o subvoador.

Infelizmente, como eu já disse antes, o custo era chave na realização destes seriados. Isto significa que as cenas eram reusadas ad-infinitum. Percebam no clipe a seguir que o mesmo submarino tem 2 conjuntos de 4 janelas e logo a seguir 1 conjunto de 4 janelas.

Eu achava o subvoador um dos elementos mais interessantes do seriado. Desta miniaturas, poucas realmente sobreviveram. Em existência creio que há o sino de mergulho. Aqui temos uma sequência com o subvoador(já com alguns dos elementos clássicos da série).

Naturalmente, como em Perdidos no Espaço, há uma série de razões para gargalhadas involuntárias. A mais conhecida delas é uma manobra conhecida como "Rock'n'Roll". Nesta manobra, para simular que o submarino estava sendo violentamente sacudido, os atores iam de um lado para o outro do set. Hoje é parte da cultura popular.

Certamente que o seriado deve muito ao filme

Mas ao mesmo tempo, o seriado levou as premissas do filme muito mais longe do que inicialmente imaginado. Já existem DVDs, mas pelo que sei não foram lançados no Brasil. O que não quer dizer que não existam opções fora da internet.

DVD Viagem ao Fundo do Mar Primeira Temporada Dublado imagem e som em HD por SOFILMESRARO no Videolog.tv.
Ou dentro dela

Em uma nota mais pessoal, hoje penso que há nas produções dos anos 60 uma mistura de espionagem (Guerra Fria?) com ficção científica (Corrida Espacial?). Mas que em algum ponto decide tomar um rumo menos sério (monstro da semana). Recomendo uma visita à página mais ou menos oficial.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Pequenas Pérolas do Cinema - 45

Vou começar com um vídeo ilustrativo de uma visão relacionada ao tema do filme de hoje.

Sim, o discurso é real. Sim, aquele era Ronald Reagan. Sim, ele na realidade estava falando da "ameaça soviética". E sim, ainda estávamos na Guerra Fria.

Mas o filme de hoje trata o problema de uma perspectiva diferente: nós somos a ameaça e os extraterrestres vem avisar: "Ou vocês tomam jeito, ou...".

O filme de hoje é um clássico da ficção científica: The Day The Earth Stood Still. E estamos falando do filme de 1951 e não do crime contra as artes visuais de 2008. O filme de 1951, tem direção de Robert Wise, trilha sonora impecável do genial Bernard Hermmann, e roteiro baseado na história Farewell to the Master (que tive a oportunidade de ler, e posso dizer que o filme é muito superior ao conto).

A história é simples: Klaatu e seu robô Gort vêm a terra avisar que ou os humanos se acertavam, ou eles iriam acertar por eles. Mais do que uma mensagem, uma advertência. No decorrer do filme Klaatu é baleado, encarcerado e foge. Ao fugir ele se hospeda em uma casa e tem a chance de conviver com pessoas comuns. Com ajuda de uma das moradoras da casa, Klaatu tem a oportunidade de apresentar a sua mensagem em um pequeno evento científico. Naturalmente, muita confusão ocorre e Klaatu é novamente baleado e, dessa vez, morto. Com isso Gort passa a destruir todos em seu caminho e é detido por uma das frases mais famosas do cinema: Gort! Klaatu barada nikto!. Não entendeu? Veja você mesmo:

A partir daí Gort recupera o corpo de Klaatu, finalmente ressuscitando-o. O filme termina com um discurso de Klaatu para os presentes ao evento científico e sua subsequente partida.

Em 2008, fizeram um remake do filme com "atualizações" para o nosso tempo. Se em 1951 a ameaça era a Guerra Nuclear, em 2008 passou a ser o Aquecimento Global (ou Mudanças Climáticas, ou a falta de respeito que o homem tem pela terra). O filme não é tão ruim assim, mas sofre bastante com um enredo que atrapalha o mesmo (para salvar a vida na terra, Klaatu vem destruir absolutamente tudo na terra?). Mas o trailer promete muito

Pena que o filme de 2008 entrega pouco.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Mentirinhas contadas de novo e de novo

Vez por outra surge na televisão ou na internet uma "grande idéia" que você fica pensando: "Puxa, como ninguém pensou nisso antes?"

Bem, por vezes a sua pergunta está certíssima. E a resposta é que realmente é interessante.

Conheça o forno solar mostrado nesta página no dia 23/01/2012:

Pois é, você olha para ele e pensa: "Como ninguém havia pensado nisso antes?" Bom, alguém pensou nisso antes...

Na realidade, bem antes...

Tanto antes que já há vídeos ensinando como fazer isto com sucata.

Ou até mesmo caixas de Pizza.

Aqui temos um vídeo de 2008 com o mesmo modelo apresentado no site do UOL.

Então, na realidade alguém já tinha pensado nisso antes. Fogões solares são muito antigos.

Há alguns pontos interessantes aqui: por que algo tão conhecido fica sendo difundido como recém inventado? Será que os repórteres não fizeram a sua pesquisa em profundidade? Ou melhor, quem fez a pesquisa do histórico desse negócio, afinal?

Em tempo, dado que temos cerca de 500 W/m^2 (varia bastante) chegando a terra a todo instante. Para simplificar, vamos considerar um sistema com 100% de eficiência e área de 1 m^2. Para ferver 1 litro de água precisamos de 4186 J/C da temperatura ambiente até a fervura. Considerando uma variação de 80 graus (de 20 C até 100 C), chegamos a 334 kJ. Para saber o tempo de fervura basta dividir 334 kJ por 1000 e multiplicar por 2. O resultado é 668 segundos ou 11 minutos.

O desempenho vai depender da latitude do local aonde se cozinha e do tamanho da abertura da parábola (um sistema com 2 metros quadrados e no equador deve ferver a água em menos de 3 minutos).

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Porque Amanhã Será um Lindo Dia!

Início das minhas férias, Sexta-Feira e ainda por cima passo a batuta para o novo chefe do departamento!

Amanhã será um lindo dia!

Sopa em Sueco é Lixo, mas em Português é Comida


Por que este título tão singular? Por causa de um texto supostamente do pessoal do Pirate Bay colocado aqui.

Há diversos trechos surreais, mas aqui vai uma seleção dos meus preferidos (com comentários):


A razão pela qual eles estão sempre reclamando dos “piratas” hoje é simples. Nós fizemos o que eles fizeram. Nós driblamos as regras que eles criaram e criamos as nossas próprias. Nós esmagamos o seu monopólio ao dar às pessoas algo mais eficiente. Nós permitimos que as pessoas tenham comunicação direta entre si, driblando o intermediário lucrativo, que em alguns casos levar mais que 107% dos lucros (sim, você paga para trabalhar para eles). Tudo se baseia no fato de que representamos competição. Provamos que a forma atual como existem não é mais necessária. Somos simplesmente do que eles são.

A razão pela qual eles estão reclamando é que acreditam estar perdendo dinheiro com isso. Esta é a razão. O conceito do intermediário lucrativo é meio falso. Enquanto pode-se argumentar algo assim no caso de determinados músicos e bandas, fica difícil estender o conceito para filmes produzidos em estúdios. O pirate Bay não é competição, é justamente o dumping.

Temos raízes suecas e um amigo sueco nos disse isso: A palavra SOPA significa “lixo” em sueco. A palavra PIPA significa “um cano” em sueco. É claro que isso não é coincidência. Eles querem tornar a internet um cano de mão única. Eles por cima empurrando lixo cano abaixo para o resto de nós, consumidores obedientes.

Sopa em sueco é lixo, mas Sopa em português é comida. Pipa em sueco é cano, mas Pipa em português é um brinquedo infantil. Sim, é coincidência. Infelizmente o narcisismo do autor impede-o de ver isso. Para ele é tudo uma conspiração gigante.

A indústria do entretenimento diz que eles estão criando “cultura”, mas o que eles realmente fazem é vender coisas como bonecas caríssimas e fazer meninas de 11 anos se tornar anoréxicas. Seja de trabalhar nas fábricas que criam as bonecas por praticamente salário nenhum, seja por assistir filmes e programas de TV que as fazem pensar que são gordas. No grande jogo de computador de Sid Meiers, Civilization, você pode construir maravilhas do mundo. Um dos mais poderosos é Hollywood. Com ele, você controla toda a cultura e mídia do mundo.

Lógico que estão criando cultura! Pode não ser estas maravilhas e pode ser que o autor torça o nariz, mas é cultura sim. E mais: não é isto exatamente que o Pirate Bay está disponibilizando de graça (vale a pena dizer que o site em questão é o do Pirate Bay)? O que o autor está revoltado (com certa razão) é que o quanto se tem que desembolsar para ter acesso a esta cultura. Mas o discurso acima é apenas um discurso de revolta, não mais que isso. Um discurso calcado no conceito de melhoria da sociedade não pode utilizar a disponibilização gratuita do "lixo cultural" como argumento contra o "lixo cultural". Já um discurso de revolta contra o produtor de conteúdo certamente pode se valer deste recurso. Só que quem está revoltado não está fazendo isso pelo bem da sociedade, mas pela ruína do produtor de conteúdo. Ou seja, a sociedade que se dane...

Naturalmente há o lado interessante da coisa: o que o Pirate Bay faz é disponibilizar conteúdo. Por incrível que pareça: os estúdios podem fazer isto ainda mais barato que o Pirate Bay faz, mas preferem se agarrar no modelo atual de distribuição de conteúdo que, francamente, está falindo...

O grande problema é que a internet mudou a cara da distribuição de conteúdo. Com taxas de transmissão suficientemente altas, o custo para disponibilizar um filme ou um conjunto de músicas cai a patamares que não sustentam o tamanho da indústria atual. No modelo do vinil, o músico tinha que disponibilizar um determinado número de músicas (como cada LP tinha 20 minutos em cada lado estamos falando de 10 a 15 músicas por álbum). Já o CD possuía capacidade para cerca de 80 minutos de áudio (o que resultaria em quase o dobro do número de músicas). Se formos olhar as coisas de forma desapaixonada, fica clara a polarização da indústria fonográfica no problema.

Os custos de distribuir conteúdo consistem da remuneração de todos os elos do sistema produtivo cultural. Nisso o CD leva vantagem sobre o vinil pois: seu custo de produção eventualmente se tornou mais baixo, seu custo de armazenamento sempre foi mais baixo, era possível distribuir mais conteúdo com a mesma estrutura produtiva, e por fim, os custos de publicidade e marketing eram exatamente os mesmos do vinil. Então o CD deveria tornar o acesso a música cada vez mais barato.

Já o sistema baseado em download corta diversos custos (custo de transporte, custo de armazenamento, custo de publicidade e marketing e mesmo o custo de produção). Um dos resultados mais claros é que os usuários não precisam mais comprar um "pacote fechado" (10, 15, 20 ou 30 músicas), mas podem comprar músicas individuais. Vamos ser honestos: o modelo atual da indústria fonográfica não sobrevive a isto nem a pau.

A parte de vídeo e filmes é uma criatura mais estranha. Durante muito tempo os estúdios dominaram toda cadeia de produção e distribuição. Enquanto isso durou havia pouco o que ser discutido. Mas com o advento dos sistemas de reprodução de vídeo domésticos, a coisa mudou bastante.

Então até quando é justo se manter o copyright de uma determinada obra? O tempo de vida do autor? O tempo de vida mais 70 anos? Bem, exatamente o que a Lei de direitos autorais visa proteger? Qual é a remuneração justa que devo dar a Warner Brothers para baixar e ver Casablanca (1942)? Qual é a remuneração justa que devo dar a Warner Brothers para baixar e ver Harry Potter (2001)? Em tese os custos devem ser diferentes...

Estas questões são complicadas, pois a remuneração de um monte de gente depende delas. Mas, mais significativo do que a remuneração é o custo do serviço que elas fornecem. Hoje, eu suspeito que os estúdios estão mais interessados na remuneração do que no serviço.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Dinâmica versus Estática - Sociedades?

Eu estou lendo O Guia Politicamente Incorreto da América Latina. O livro é muito interessante e pelo que li até agora (sobre Che Guevara e Os Maias), eu posso recomendar para todos como uma visão alternativa da história.

Não estou dizendo que tudo que está escrito lá seja a história tal e qual ocorreu, mas suspeito que alguns episódios são mais verossímeis segundo a descrição do livro (em especial o massacre de Cajamarca, aonde 168 "covardes espanhóis" derrotaram 7 mil "bravos Incas").

Mas não é sobre isso que este post trata. O motivo deste post é a descrição sobre a ambivalência de Simón Bolívar com relação a instalação de democracia nas Américas. Até mesmo nas referências mais declamatórias, há uma indicação clara que na "hora do vamos ver", Bolívar tendia mais ao autoritarismo do que ao democrático.

E isso me fez pensar...

O conceito e a prática de democracia não é algo genético. Ao contrário, pelo que vejo é construção social mesmo. O conceito de clãs, de chefes, ou seja algo mais próximo a ditadura esclarecida é que me parece algo mais próximo do nosso passado evolutivo (Mamíferos tem os machos alfa, e assim por diante). Ou seja, existe uma estrutura social que poderíamos dizer estar "entranhada" nos nossos genes. Só que esta estrutura parece não ser a democracia.

Mas então como chegamos a democracia? Bom, aí desconfio que existe um processo dinâmico que marca a evolução da estrutura de um sociedade. Suspeito que a medida que as sociedades vão ficando mais complexas, a importância da representatividade aumenta. Não creio que haja fatalismo evolutivo aí, mas sim um processo não totalmente dissimilar a uma rede markoviana. Ou seja, falamos de probabilidades e valores esperados, mas não de certezas.

Uma questão que me vêm a mente com esta ponderação é que o estudo baseado em modelos sociais estáticos fica irremediavelmente comprometido nisto. O que estou dizendo? Simples, um modelo dinâmico possui uma evolução em torno de pontos de equilíbrio. O modelo estático (ou mesmo de estado estacionário) é baseado apenas em encontrar estes pontos de equilíbrio. Ele te dá apenas parte da informação, e por vezes a parte inútil (determinar o ponto de equilíbrio em um situação multi-estável é complicado mesmo).

Então talvez a evolução da sociedade, a sua dinâmica é que talvez seja a parte mais importante do processo. Determinar os eventos no processo evolutivo que alteraram esta dinâmica, determinar as alterações de curso causadas por esta mudança. E quiça até estimar o efeito de outras alterações de curso...

Talvez isso é que seja importante. Talvez isso é que seja relevante.

Talvez isso é que seja a matemática necessária para ciência social.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Como a Idéia de um Mundo Linear nos Engana

Muito das estatísticas que vemos por aí tem, mesmo que indiretamente, um ar de linearidade.

O que é linearidade? Bem, já falei a exaustão no blog, mas em termos simples é que tratamos duas grandezas como proporcionais. O que significa isto?

Vamos a um exemplo: se eu tenho um gato, há um total de quatro patas. Se eu tenho dois gatos, há um total de oito patas. Ou seja, número de patas total dividido pelo número de gatos total é sempre igual a quatro (claro que estamos considerando que todos os gatos tem quatro patas).

Parece lógico e bastante razoável, não?

Bem, prepare-se para algumas surpresas. Vamos pegar um pacote de feijão. Olhando as listas vemos que as marcas tem preços diferentes. Mas vamos comparar outra coisa: a razão entre preços de uma mesma marca. Em tese, a qualidade está associada a marca (ou será ao produto?). Então vamos fazer a razão entre o preço do feijão carioca e o preço do feijão preto.

  • Marca Vapt/Vupt (280 g): R$ 4,45/R$ 3,19 = 1.39
  • Marca KiCaldo (1 kg):  R$ 5,24/R$ 3,52 = 1.49
  • Marca Qualitá (1kg): R$ 4,27/R$ 2,94 = 1.45

O que está acontecendo? Bem, há a questão da marca. Mas o processo industrial para o feijão preto não é o mesmo que do feijão branco? Vamos ao exemplo da dependência do preço com peso para arroz da mesma marca:
  • Marca Tio João (1kg): R$ 2,70 - Preço por kg: R$ 2,700
  • Marca Tio João (2kg): R$ 5,41 - Preço por kg: R$ 2,705
  • Marca Tio João (5kg): R$ 13,52 - Preço por kg: R$ 2,704
  • Marca Prato Fino (2kg): R$ 5,90 - Preço por kg: R$ 2,95
  • Marca Prato Fino (5kg): R$ 14,39 - Preço por kg: R$ 2,878
  • Marca Camil (1kg): R$ 2,35 - Preço por kg: R$ 2,35
  • Marca Camil (2kg): R$ 4,85 - Preço por kg: R$ 2,425
  • Marca Camil (5kg): R$ 11,39 - Preço por kg: R$ 2,278
Note que o preço varia (pouco, mas varia)! Claro que isto cria contradições aparentes (por exemplo: vale mais a pena comprar 5 pacotes de Arroz Tio João de 1 kg do que 1 pacote de 5 kg, ou vale mais a pena comprar  2 pacotes de 5 kg do Arroz Camil do que 10 pacotes de 1 kg e ainda mais a pena do que 5 pacotes de 2 kg).

Claramente a proporcionalidade (e a linearidade) está perdida. Mas este não é nem de longe a aplicação mais bizarra. Vamos dizer que você compre 1 tonelada de arroz Camil de 5 kg, ou seja 200 pacotes por R$ 2278,00. Se você comprar a mesma quantidade em pacotes de 2 kg, ou seja 500 pacotes, você pagará R$ 2425,00.

Outro caso: comprar 1 tonelada de arroz Tio João é mais negócio receber em pacotes de 1 kg do que pacotes de 5 kg.

Como se explica isso? Bem, dado que estamos analisando arroz da mesma marca, então é possível explicar dizendo que o preço P(M) é função da massa (mas não necessariamente de modo linear). No caso do arroz Tio João podemos modelar por:

P(M)=P0+P1*M+P2*M^2.

Substituindo os valores é possível encontrar os coeficientes:

2,7 = P0+P1+P2
5,41=P0+P1*2+P2*4
13,52=P0+P1*5+P2*25

Daí é só resolver:

P0=-0.0133, P1=2.715, P2=-0.0017
Ou seja, o resultado é muito próximo de algo linear. Alternativamente, se usarmos a argumentação que P0 é o preço para compara zero kg de arroz e este preço deveria ser zero (o que pode não ser verdade), a equação do preço passa a ser:

P(M)=P1*M+P2*M^2+P3*M^3.

O que resulta em:
P1=2.6923, P2=0.009, P3=-0.0013
A mesma coisa pode ser feita com o arroz Camil.

2,35 = P0+P1+P2
4,85=P0+P1*2+P2*4
11,39=P0+P1*5+P2*25

P0=-0.31, P1=2.74, P2=-0.08
Caso usemos o modelo do argumento que P0 deve ser zero temos:
P1=2.213, P2=0.168, P3=-0.031
Este modelo é interessante pois ele introduz o efeito de economia de massa (quanto mais se vende, mais barato fica). Isso só pode ser explicado com a introdução da não linearidade.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Coisas que Mentimos para Nós Mesmos - 11

Reciprocidade! Involuntariamente temos a tendência a acreditar que a ordem dos fatores não altera o resultado.

Mas, nem sempre isso é verdade.

Vamos dizer que você participou de um churrasco. Na Cracolândia. Então nesta oportunidade você aproveitou para fazer algumas estatísticas. A mais óbvia é que todos fumavam crack (vamos dizer que você só buscou informações dos que fumavam crack). Vamos dizer que no churrasco haviam 1000 pessoas.

Muito bem, neste churrasco você notou que 840 das pessoas eram homens e 160 das pessoas eram mulheres. 440 pessoas se auto-denominavam pardas, 220 brancas 220 negras (o restante preferia não se auto-denominar). 640 tinham o ensino fundamental, 710 faziam parte da população economicamente ativa, 450 viviam de bico e  20 eram assalariadas.

Agora vamos dizer que você foi a outro churrasco. Ao fazer a mesma coisa com todos que participavam do churrasco, você notou que 487 das pessoas eram homens e 513 das pessoas eram mulheres. 320 pessoas se auto-denominavam pardas, 440 brancas 130 negras (o restante preferia não se auto-denominar). 380 tinham o ensino fundamental, 730 faziam parte da população economicamente ativa, 170 viviam de bico e  280 eram assalariadas.

Então você foi procurar o pessoal que fumava crack. Você encontrou 5. Destes 5, cerca de 3 faziam parte da população economicamente ativa (de 730), sendo que 1 vivia de bico (dos 170). Praticamente não encontrou nenhum dos assalariados que fumavam crack.

Muito bem, o que mudou? No primeiro churrasco você procurou a proporção de pessoas com determinadas características dado que todos usavam crack (por exemplo p(fazer bico dado que usa crack)). No segundo churrasco, você procurou pessoas com determinadas características e dentro delas procurou as que usavam crack (por exemplo p(usar crack dado que faz bico)).

Note que as duas grandezas são substancialmente diferentes! Chamando p(bico | crack) = p(fazer bico dado que usa crack) e p(crack | bico) = p(usar crack dado que faz bico), vê-se que:

p(bico | crack) é muito diferente de p(crack | bico)

Como? A primeira é a taxa de pessoas fazendo bico dado que usam crack (450 de 1000). A segunda é a taxa de pessoas que usam crack dado que estão fazendo bico (1 de 170).

E o que isso importa?

Bem, via de regra um número enorme de pessoas confunde p(crack | abaixo da linha de pobreza) com p(abaixo da linha de pobreza | crack).

E isso faz toda diferença do mundo. A primeira é a taxa de pessoas que usam crack dado que estão abaixo da linha da pobreza. A segunda é a taxa de pessoas abaixo da linha da pobreza dado que usam crack.

Como pode ser visto no exemplo anterior, isto pode ser a diferença entre uma afirmação verdadeira e uma afirmação falsa.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Perdidos no Espaço

Com tinha prometido, aqui vai um post sobre a série Perdidos no Espaço.

Pelo que me lembro eu assistia a série da década de 70 (1970-1979). Não creio que o seriado ficou a década inteira no ar. Já nos Estados Unidos, o seriado foi exibido de 1966 a 1969. Curiosamente, a série não começou da maneira que eu conheci. A série começou sem dois de seus personagens principais: o Dr. Smith e o Robô! Sim, de verdade! Olhe só a apresentação do piloto para CBS.

As minhas memórias do seriado estão ligadas às aventuras do chamado "núcleo duro da série": Dr. Smith, Will e o Robô. Anos depois vim a saber que a existência desse núcleo foi resultado da evolução do show e nada muito planejado (este tipo de coisa estraga a interpretação ideológica dos seriados norte-americanos, mas fazer o que?).

A piada recorrente era que o monstro de Perdidos no Espaço em uma semana era o o monstro de Viagem ao Fundo do Mar na semana seguinte. No fundo eu ainda não tinha entendido as sutilezas da produção de seriados de TV: custo, custo e custo! Os efeitos especiais eram de boa categoria (especialmente no primeiro ano da série), e a música de grande qualidade também.

Claro que a gente só vê o que deu certo, já o que deu errado...

Já os roteiros, ah, os roteiros... Como diria Dr. Smith: Oh, dor!

Os roteiros do primeiro ano são provavelmente os de mais alta qualidade. Neles o Dr. Smith ainda era um mau caráter desprezível. A partir do segundo ano, as coisas mudaram: o foco na comédia aumentou. E com isso Smith se transformou em um bufão: não dá para contar o número de vezes que ele tentou vender o robô, o Júpiter 2, e por vezes Will Robinson! Perdidos no Espaço ainda gerou um filme

um desenho animado

e até uma nova versão do seriado. Claro que não sou o único que se lembra deste seriado, até a Globo fez um pequeno especial no Vídeo Show.

Infelizmente, ou felizmente, os tempos são outros... As vezes é melhor ficar com as memórias mesmo.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Pequenas Pérolas do Cinema 44


Hoje o filme é War of the Worlds. Mas há um pequeno twist para tornar o post mais interessante: mockbusters!

O livro de H.G. Wells é bem conhecido e pode ser encontrado na sua versão original online. O livro foi adaptado para não um, mas dois programas de rádio (um deles bastante famoso - mas cuja história foi exagerada com o passar dos anos). Mas não foi só isso. Em 1953 foi lançado um filme produzido por George Pal que foi muito bem aceito (e considero uma pequena pérola também).

Mas aí veio 2005. E nesse ano foram lançados não um, nem dois, mas três War of the Worlds! Ah... aposto que essa você não sabia.

Pois bem, o que acontece é que dois dos filmes se aproveitaram da publicidade e marketing gerados pelo filme com maior orçamento e produção (o de Steven Spielberg). Com isso receberam a dúbia honra de serem mockbusters - ou seja, filmes que se aproveitaram de um grande lançamento para melhorarem suas chances de sucesso.

Uma tática suja? Talvez. Mas veja os trailers antes de decidir. Primeiro o da produtora The Asylum:

E agora da Pendragon:

Qual é o melhor? Bem, veja o Trailer e faça seu próprio julgamento.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

As Tristes Conclusões de um Estudo

Saiu no no domingo, dia 04/01/12: Dos 618 assassinatos registrados entre 1º de janeiro e 2 de dezembro, 370 vítimas, ou 60% do total, tinham dívidas com a Justiça e respondiam a inquéritos policiais, Termos Circunstanciados, cumpriam prisão domiciliar ou provisória quando foram mortos. (a fonte é essa aqui)

O que isto significa? Que cerca de 3/5 dos homicídios no DF em 2011 foi de pessoas que de alguma forma estavam envolvidas na criminalidade). Em termos de Bayes, o que temos é:

p(envolvidos na criminalidade | morte por homicídio) = 3/5 (e por conseguinte - p (não envolvidos na criminalidade | morte por homicídio) = 2/5).

O que isto nos diz? Bom, primeiro que

p(morte por homicídio | envolvidos em criminalidade) = p(envolvidos em criminalidade | morte por homicídio) *p(morte por homicídio)/p(envolvido em criminalidade).

Portanto pode-se estimar a chance de morrer para quem está envolvido na criminalidade. Mas para isso temos de conhecer a probabilidade de morte por homicídio ( p(morte por homicídio) ) e a probabilidade de envolvimento em criminalidade ( p(envolvido em criminalidade) ). Pelo mapa da violência temos cerca de 50 mil homicídios (em quase 200 milhões). A taxa é de 26 em 100 mil . Vamos arredondar e dizer que temos p(morte por homicídio) = 0.00025. Já o envolvimento na criminalidade é difícil dizer, vamos dizer que 1 de cada 100 está envolvido na criminalidade.

Então:

p(morte por homicídio | envolvidos em criminalidade) = 3/5 *0.0025/0.01 = 0.15

p(morte por homicídio | não envolvidos em criminalidade) = 2/5 *0.0025/0.99 = 0.01

Em outras palavras, a chance de morrer por homicídio é 15 vezes maior se a pessoa está envolvida com a criminalidade.

Mas digamos que seja 1 de cada 10 que está envolvido na criminalidade. Neste caso:

p(morte por homicídio | envolvidos em criminalidade) = 3/5 *0.0025/0.1 = 0.015

p(morte por homicídio | não envolvidos em criminalidade) = 2/5 *0.0025/0.9 = 0.001

Ou seja, ainda temos que a chance de morre por homicídio é 15 vezes maior se a pessoa está envolvida com a criminalidade. E se for 1 em 5 que está envolvido com a criminalidade? Neste caso o número é 6 vezes maior.

Quando é que as duas taxas serão iguais? Quando 3 de cada 5 pessoas estiverem envolvidas na criminalidade! E isto é um pesadelo: Ou um número grande de pessoas está envolvida na criminalidade, Ou a chance de morrer por homicídio é substancialmente maior se há envolvimento na criminalidade.

Muito complicado... Mas a matemática é inescapável. Talvez seja a comprovação estatística do dito bíblico: Quem vive pela espada, morre pela espada.

Além disso, o segundo ponto é que dos que morrem por homicídios, 3 de cada 5 casos (em média) está envolvido com a criminalidade. Isto é, claro, se este fenômeno não for um ponto fora da curva (por amostragens mostradas na mesma reportagem, parece que não é).

Isso indica que ao ler em um jornal sobre 5 casos de homicídio, há uma chance de 92% de em pelo menos 1 desses casos a vítima ter envolvimento com o crime.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

A Congregação dos Idiotas

Vi uma tirinha na página do Allan Sieber que resolvi partilhar com vocês:
Não tem jeito: eu tenho que concordar... Desconfio que parte da idéia do idiota útil está ligada a este fenômeno. Em tempo: a frase do Maluf é verdadeira. Eu particularmente que já vi exemplos dos problemas causados por gente inepta porém insistente em ser participativa.

O que lembra uma frase de Bertrand Russel, que foi criada no contexto da guerra de 1914, mas parece apropriada para estas situações que vivemos: A causa fundamental para os problemas do mundo moderno é que os estúpidos estão cheios de certeza, enquanto os inteligentes estão cheios de dúvidas (há outra redação aqui).

Esta também é uma das razões da minha desconfiança com movimentos organizados. Depois de muito me queimar acreditando em alguns deles (e tinham alguns que pareciam ser absolutamente escolhas corretas), eu comecei a ficar um pouco cético (talvez cínico também), a respeito dos mesmos. Portanto passei a suspeitas das intenções, motivos e mais ainda: da sabedoria de se deixar as decisões na mão de outras pessoas, das quais se sabe muito pouco além de impressões.

Não acredito muito nas teorias conspirativas (pelo menos não nas do nível dos vilões de James Bond), mas creio no aproveitamento das oportunidades que aparecem. E aí é necessário uma qualificação ética mais elaborada em pessoas envolvidas em movimentos organizados quando que se vêem diante de oportunidades de projeção pessoal. Em suma: Ao ser tentado a ascender às alturas em movimentos desta ordem, é complicado não sucumbir a tentação.

Sei que isto parece estar em contradição com o espírito cívico e a crença na representatividade dos pares. Mas ao mesmo entendo, ao longo do tempo passei a ver com mais clareza as limitações de escolhas "democráticas". A democracia pressupõe este risco e a representatividade não é garantia que o escolhido é exatamente o representante ideal dos pares que o elegeram. Nada disso! A representatividade permite que o escolhido seja uma amostra dos pares que o elegeram.

E aí tem que saber a diferença entre média amostral e a média.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Interferência Eletromagnética

Sim, ela existe mesmo. Quer um exemplo?

Muito bem, o que está acontecendo aqui?

A interferência é um fenômeno bastante complexo, mas há algumas informações que podem ajudar a diminuir esta interferência:

  • Quem está gerando o sinal interferidor é o aparelho celular. O celular não tocou, mas troca mensagens com a estação rádio base. Esta informação é trocada tanto quando se origina a chamada, quanto quando se recebe a chamada (note que a interferência surge antes do telefone tocar e mesmo se o som do telefone estiver desligado).
  • A interferência ocorre mesmo em caixas de som só com o cabo de alimentação ligado. Na realidade, a interferência só deve ser perceptível em caixas com amplificação.



  • O sinal de GSM transmitido tem de ser demodulado para ser audível. Isto significa que há um elemento não linear agindo no sistema. Minha aposta estaria na seção de amplificador ou no alto-falante (devido à não linearidade intrínseca dele). Mas como o sinal teria de ser de intensidade razoável para ser perceptível devido ao tipo de não-linearidade do alto-falante. Como os amplificadores das caixas são geralmente classe AB, então isso é bem possível (se as coisas ocorrerem devido ao modo comum - nesse caso e nesse também).
  • O efeito é claramente dependente da distância do telefone à caixa de som.

Por estas conclusões vemos que há um acoplamento eletromagnético entre a antena do celular e a caixa de som. Este acoplamento pode estar ocorrendo nos fios de alimentação, ou mesmo no circuito de amplificação da caixa de som. O teste seria verificar se a interferência ocorre em caixas de som amplificadas, mas alimentadas através de pilhas. No entanto há um vídeo na internet descrevendo o uso de chokes de RF para eliminar a interferência. Isto sugere que o sinal entra via o fio (provavelmente em modo comum - isto é reforçado pelo funcionamento do choke).

De qualquer modo, para resolver o problema a solução é diminuir o acoplamento (do lado da antena, do lado da caixa de som, ou de ambos os lados).

Pois é, exemplo claro que realmente há interferência eletromagnética

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Perguntas Inusitadas em Entrevistas de Emprego

Saiu no Valor Econômico uma matéria sobre as 25 perguntas mais inusitadas em entrevistas de emprego. Algumas delas são perguntas lógicas enquanto outras são problemas de Fermi (que já havia mencionado antes). Na realidade o site Glassdoor costuma compilar a lista com estas perguntas (aqui estão as de 2010, 2009, e claro 2011).

Vamos tentar responder algumas delas? Vamos fazer o seguinte: eu vou colocar a pergunta e um link para uma possível resposta (do site Glassdoor).
  1. Quantas pessoas estão usando o Facebook em São Francisco numa sexta-feira às 14h30? Respostas do site Glassdoor.
  2. Não vou falar nada por cinco minutos; me entretenha.  Respostas do site Glassdoor
  3. Se os alemães fossem o povo mais alto do mundo, como você provaria?  Respostas do site Glassdoor
  4. O que você acha de gnomos de jardim? Respostas do site Glassdoor
  5. As suas notas na universidade refletem seu potencial?  Respostas do site Glassdoor
  6. Mahatma Gandhi teria sido um bom engenheiro de software?  Respostas do site Glassdoor
  7. É preferível ser o melhor funcionário e ter colegas que te odeiam ou o número 15 com colegas que gostam de você?  Respostas do site Glassdoor
  8. Como você curaria a fome mundial?  Respostas do site Glassdoor
  9. Quarto, mesa ou carro - qual você limpa primeiro?  Respostas do site Glassdoor
  10. A vida te fascina?  Respostas do site Glassdoor
  11. Se te derem 20 lâmpadas e um prédio de 100 andares, como você determina em que andar elas quebram?  Respostas do site Glassdoor
  12. Por favor, soletre "diverticulite".
  13. Liste cinco usos para um grampeador sem grampos.  Respostas do site Glassdoor
  14. Quanto os moradores de Dallas gastaram com gasolina em 2008?  Respostas do site Glassdoor
  15. Como você colocaria um elefante em uma geladeira?  Respostas do site Glassdoor
  16. Você tem um buquê de flores. Todas menos duas são rosas, todas menos duas são margaridas e todas menos duas são tulipas. Quantas flores você tem?  Respostas do site Glassdoor
  17. Quantos aviões estão voando sobre o Kansas neste momento?  Respostas do site Glassdoor
  18. De quantos jeitos diferentes é possível levar água de um lago no pé de uma montanha para o topo da mesma?  Respostas do site Glassdoor
  19. Quanto é 37 vezes 37?  Respostas do site Glassdoor
  20. Se você fosse um super-herói, que superpoder você teria? Respostas do site Glassdoor
  21. Se você fosse um programa office da Microsoft, qual você seria?  Respostas do site Glassdoor
  22. Coca ou Pepsi?  Respostas do site Glassdoor
  23. Você está expirando ar quente?  Respostas do site Glassdoor
  24. Você está em um barco a remo, que está em um grande tanque cheio de água. Você tem uma âncora a bordo, que você joga no tanque (a corrente é longa o suficiente para a âncora deitar inteiramente no fundo). O nível de água do tanque aumenta ou cai?  Respostas do site Glassdoor
  25. O que você acha daqueles palhaços no congresso?  Respostas do site Glassdoor
O que temos é diversidade nas perguntas: raciocínio, criatividade, espirituosidade, organização, e curiosidade. Algumas perguntas tem resposta lógica, outras nem tanto.

Vamos a algumas respostas selecionadas e porque eu as respondi.

Quantos usuário no Facebook em São Francisco, numa sexta às 14:30? Bem este é um número impossível de ser verificado. Então o lance é poder fazer estimativas razoáveis. Bem, os Estados Unidos tem cerca de 300 milhões de pessoas. Se todas usarem o Facebook todos os dias, com certeza será por menos de 24 horas. Vamos dizer que usem 6 horas por dia. Então a qualquer hora teremos 50 milhões de pessoas usando. Bom, dividindo este número igualmente pelo número de estados americanos teremos 1 milhão de pessoas em cada estado por hora. Então fica a questão de quantas pessoas tem em San Francisco em proporção com o Estado. Certamente é menos da metade, talvez uns 20%. Então chegamos ao número de 200 mil usuários de Facebook em San Francisco às 14:30 de sexta. É o número real? Não, certamente que não. Mas isto indica que seria algo entre 20 mil e 2 milhões.

Como provar que os alemães são o povo mais alto do mundo? Há ainda dose para criatividade. Mas o problema pode ser resolvido por amostragem (cerca de 2000 pessoas selecionadas aleatoriamente de cada país para termos uma idéia da média - o que daria um total de cerca de 400 mil pessoas selecionadas no mundo inteiro). Poderíamos realizar um concurso do tipo: homem/mulher universo com o quesito que ganha quem for mais alto e quem for mais baixo. Se a distribuição for simétrica (não há motivos para se supor o contrário) dá uma boa estimativa do valor médio.

Quarto, mesa ou carro- qual você limpa primeiro? Aí está uma tentativa de descobrir como você prioriza as coisas: as mais difíceis, as intermediárias ou as mais fáceis - por onde você começa. Eu começo pela mesa. Resolvo rápido e já tenho um resultado para mostrar.

Se te derem 20 lâmpadas e um prédio de 100 andares, como você determina em que andar elas quebram? Aí podemos usar o algorítimo da bissecção para descobrir qual andar. Comece pelo 50, se quebrar vá para o 25. Se não quebrar, vá para o 38. E assim sucessivamente. Como o algorítimo é convergente e limitado então teremos 2^n > =  49 (o que dá um n de cerca de 6 - quebraríamos um máximo de 6 lâmpadas no processo). Alternativamente, se as quedas não diminuírem as características mecânicas das lâmpadas, você pode começar do primeiro andar e vá subindo (sempre testando com a mesma lâmpada). Mas eu creio que a bissecção seja o melhor método, via de regra o truque desta questão é relacionar algo matemático ao universo prático.

Liste cinco usos para um grampeador sem grampos. Esta é uma pergunta para forçar o entrevistado a ser criativo. Minhas escolhas: martelo, chave inglesa, instrumento de percussão, sinalizador, peso de papel. Agora se quer testar sua criatividade, encontre mais usos...

Quanto os moradores de Dallas gastaram com gasolina em 2008? Bem, este também é um problema de Fermi. Eu diria que em Dallas devem existir cerca de 1 milhão de carros (menos que 10 milhões e mais que 100 mil). As pessoas usam para se locomover, então suspeito que o uso diário é menos de 6 horas por dia (1/4 do dia gasto nos percursos). Se cada carro faz 10 km com litro e anda em média 60 km por hora, temos o uso individual de  6 horas por litro - ou 1 litro por dia. 1 litro por dia, durante 400 dias em 1 milhão de carros dá cerca de 400 milhões de litros. Com o litro a uns 2.5 reais dá cerca de 1 bilhão de reais. É um problema para estimar magnitudes (os moradores de Dallas gastaram na casa dos bilhões).

Como você colocaria um elefante em uma geladeira? Depende do tamanho da geladeira. Um caminhão refrigerado por caber um elefante sem problema. Um refrigerador industrial também não teria problemas. Como não foi especificado. Alternativamente poderíamos abandonar a idéia que o elefante saia ileso disso e pensarmos em compactar o elefante de alguma forma. Uma outra alternativa é responder de forma humorística: primeiro tira o ketchup e depois coloca o elefante.

Você tem um buquê de flores. Todas menos duas são rosas, todas menos duas são margaridas e todas menos duas são tulipas. Quantas flores você tem? Este problema é matemático. Seja S o número total de flores, Nm o número de margaridas, Nr o número de rosas, e Nt o número de tulipas. As equações são:

S-2 = Nm =Nr = Nt. Note que 3*S-6 = Nm+Nr+Nt

E se só temos estas flores, então Nm+Nr+Nt=S

Calculando temos 3*S-6 = S, ou S=3 (Nm=1, Nr=1 e Nt=1). Ou seja 3 flores (1 margarida, 1 rosa e 1 tulipa).

Quantos aviões estão voando sobre o Kansas neste momento? Também é um problema de Fermi. Bem, quantos aviões voam pelos estados unidos todos os dias? Creio que mais de mil e menos 100 mil. Se colocarmos 30 mil aviões e dividirmos pelo número de estados teríamos 600 aviões. É verdade? Sei lá! Diria que é algo na casa das centenas.

Quanto é 37 vezes 37? Com calculadora é fácil 37 * 37 = 1369. Sem calculadora é mais difícil, mas existem maneiras. 37 * 37 = (40-3)*(35+2) = 40*35+40*2-35*3-6 = 1400+80-105-6 = 1369. Ou (40-3)*(40-3) = 40*40-2*40*3+3*3=1600-240+9 = 1369. Ou (30+7)*(30+7)= 900+2*30*7+7*7 = 900+420+49=1369. E não podemos nos esquecer que 37*37 = 35*35+12*12 = 1225+144 = 1369. Para mim é matemática, ou talvez verificar o quanto se pode simplificar a solução de um problema, ou quanto a pessoa pode complicar antes de seguir pelo caminho mais óbvio.

Você está expirando ar quente? A menos que você esteja em um local muito quente mesmo, você vai estar expirando ar quente. Como resposta ficaria com expirando ar quente. Me parece física e senso comum.

Você está em um barco a remo, que está em um grande tanque cheio de água. Você tem uma âncora a bordo, que você joga no tanque (a corrente é longa o suficiente para a âncora deitar inteiramente no fundo). O nível de água do tanque aumenta ou cai? O barco flutua porque sua densidade média é menor que densidade média da água. Jogue qualquer massa de dentro do barco na água (que não viole esta condição) e o barco continuará flutuando. Bom, para analisar isto temos de pensar em termos básicos: se eu tenho um tanque com água com uma densidade r de 1 kg/litro  (1g/mL ou 1 g/cm^3). Então a massa da água é r*V (aonde V é o volume - 1 metro cúbico no caso). O volume deslocado sem o barco é então V (1 metro cúbico). Com o barco o Volume aumenta de V para V+dV (aonde dV é o acréscimo de volume devido ao deslocamento causado pela massa do conjunto barco + âncora (M+dM) dividida pela densidade da água r).Quando a âncora desaparece do sistema sem ter sido jogada na água dV = (M+dM)/r passa a ser dV' M/r. A solução indica que o volume diminui (e portanto o nível da água cai - se a área permanece constante). No entanto há o segundo efeito: ao jogarmos a âncora no lago, o volume do lado aumento de para V+dv. Aonde dv é o volume da âncora (que é igual a sua massa dividida pela densidade). Como a densidade da âncora é substancialmente menor que a da água, então dv=dM/r' < dM/r. Isto quer dizer que M/r+dM/r (dV) > M/r+dM/r' (dV'+dv), ou em português simples: o nível de água diminui.

Com números fica mais fácil. Vamos dizer que o tanque tenha volume V de 10 metros cúbicos. O barco tem M = 75 kg e um volume de 0.5 metro cúbico (densidade de 0.15 g/cm^3). A âncora tem dM = 25 kg e um volume de 0.01 metro cúbico (densidade de 2.5 g/cm^3). Portanto dV é (75+25)/1 = 100 litros ou 0.1 metros cúbicos. Então o volume resultante é V+dV =10+0.1 = 1.1 metros cúbicos. Quando retiramos a âncora do problema (sem joga-la na água), dV passa a ser 75/1 =75 litros ou 0.075 metros cúbicos. Portanto o volume final uma vez retirada a âncora (sem joga-la na água), passa a ser de 10.075 metros cúbicos. Por fim, para levar em conta o fato da âncora ter sido jogada na água precisamos acrescer a este resultado o volume deslocado pela âncora uma vez que a mesma esteja submersa: 0.01 metros cúbicos. Portanto o resultado final é 1.085 metros cúbicos que é menor que 1.1 metros cúbicos - portanto, como a área do tanque se manteve, então o nível de água baixou.

Alternativamente, uma solução comentada está aqui.

Bem são estas minhas respostas. Você pode tentar encontrar as suas nos outros testes, ou nesse mesmo teste.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Coisas que Mentimos para Nós Mesmos - 10

Temos a tendência a tomar lados em questões. Geralmente nas questões que menos conhecemos tomamos lado de forma até bastante rápida.

Como fazemos isto? Suspeito que decidimos que o "lado mais fraco é que tem razão".

O problema é que nem sempre é assim. Ora bolas, frequentemente confundimos quem é o lado mais fraco, com o lado mais ético, com o lado que tem a razão.

Vou dar um exemplo disso:
Ficheiro:Falkland Islands topographic map-pt (argentinian names places).svgFile:Falkland Islands topographic map-en.svg
Ilhas Malvinas ou Ilhas Falkland. Quem tem razão no conflito? Se você disse Argentina, então pense novamente. Certamente a Argentina é o lado mais fraco no conflito das Ilhas Malvinas. Mas é o lado que tem razão? Bem, não há colonos argentinos ou descendentes deles nas ilhas (nunca houve realmente), a Argentina teve as ilhas por um total de 13 anos enquanto a Inglaterra a teve por mais de 77 anos, os habitantes das ilhas se consideram súditos da coroa britânica, e assim vai...

Então quem tem a razão? Se você olhar do ponto de vista de quem mora na ilha mesmo são os ingleses, mas você pode olhar do ponto de vista de que as ilhas são um resquício do imperialismo colonial inglês, e aí quem tem razão são os argentinos (claro que isto complica as razões para trocar o domínio inglês pelo argentino).

E o que as ilhas tem de tão especial que depois de quase 50 anos se tornaram tão disputadas? Hummm, dinheiro é claro... E não vamos esquecer que o conflito foi deflagrado como um ato do regime militar da Argentina, com vistas a aumentar a popularidade devido às dificuldades econômicas.

Então olhem que beleza: um ato de desespero de um regime nos seus estertores, travestido de patriotismo, ganha força no país, leva à invasão de um território em processo de descolonização pela Inglaterra, leva à derrota da frota Argentina, a humilhante devolução das ilhas e, finalmente, a uma situação pior do que se estava antes da guerra.

E o lado mais fraco é o que tem razão?

Só se você considerar os habitantes das ilhas como o lado mais fraco! Só que isto estraga o argumento, não?

domingo, 15 de janeiro de 2012

Hoyt Curtin

Quem é Hoyt Curtin? Ora bolas, você não teve infância?

Pois é, ele é o responsável pela criação de diversos temas musicais dos desenhos Hanna-Barbera. Podemos listar as trilhas de desenhos como os Flintstones, os Jetsons, Zé Colméia e vários outros.

E porque nunca ouvimos falar de Hoyt Curtin?

Há uma série de teorias, mas pessoalmente creio que não temos ainda o hábito de lembrar quem são os compositores da trilha das nossas infâncias.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Pequenas Pérolas do Cinema 43

Hoje é dia de Memento.

Não dá para falar da palavra Memento sem lembrar da expressão Memento Mori (Lembra-te que és Mortal). E há um certo paralelo, o filme é baseado na história criada pelo irmão do diretor do filme.

A história tem pontos de similaridade, mas o filme inova por narrar a história de forma a alternar a sequência direta de eventos com a sequência reversa de eventos.
Isto por si é bastante interessante pois adiciona dimensões extras no filme - no fundo o espectador sabe pedaços do futuro misturado com o passado, mas não todo passado ou todo futuro (quase como se o próprio espectador sofresse da forma de amnésia do protagonista) - o que é diferente da forma tradicional, aonde o espectador sabe todo passado, mas não do futuro, ou sabe todo futuro, mas não o passado.

Há alguns pontos muito interessantes na questão do filme em si.

O protagonista não sente culpa, exceto pelos atos que ocorreram anteriores a sua amnésia. Ele parte deste ponto para reescrever a história em certo ponto do filme. Ao mesmo tempo, tomando esta sequência de ações ele decide falsificar seu passado - que é lembrado através de anotações tatuadas em seu corpo - para agir de modo a exercer vingança sobre um dos personagens.

Então o personagem comete um crime (na realidade vários), mas é "inocente" aos próprios olhos por não se lembrar dos fatos que o levaram a realizar esta ação. Ele apenas sabe o que está escrito no seu corpo... o que poderia ser interpretado como uma sequência de instruções.

Ele também cria uma narrativa justificadora das suas ações, sem saber ao certo como finalizar isto uma vez que seu objetivo seja cumprido. Fica a impressão que ele iria "lembrar" de ter se vingado dos bandidos que o colocaram naquela condição.

Mas ao longo do filme sabemos que este certamente não é o caso.

Ele lembra uma máquina, projetada para fazer uma tarefa, e que continua a realizar esta tarefa bem depois dos propósitos originais de sua construção deixarem de fazer sentido...

Memento é um filme com graus inesperados de profundidade...

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Água e Energia


Responda rápido, quanta água você gasta por dia? Se tomarmos você como base, quanta água é gasta por dia no mundo?

Bem, se eu lavar roupa todo dia, beber muita água, tomar muito banho e ir muito ao banheiro, eu calculo que uso cerca de uns 20 litros por dia.

Mas vamos arrebentar a boca do balão: vamos dizer que eu uso 200 litros por dia (uma caixa d´água tem cerca de 1000 litros, então é um exagero educado)

Se cada pessoa usasse isso, temos exageradamente 10 bilhões multiplicados por isso, o que dá 2 trilhões de litros de água por dia!

Isso parece muito? mil litros são 1 metro cúbico de água. então temos 2 bilhões de metros cúbicos de água por dia consumidos. Se colocarmos em quilometros cúbicos isto dá 2 quilometros cúbicos de água por dia.

Muito bem, mas quanta água tem no mundo? Sabemos que cerca de 3/4 da superfície da terra é água. Podemos estimar pela fórmula que para uma profundidade média de 1 km, o que dá cerca de temos cerca de 562 milhões de quilometros cúbicos de água. Se 0.1% disso é água que podemos usar temos.
0.562 milhões de quilometros cúbicos de água, ou 562 mil quilometros cúbicos de água.

Dividindo 562.000 km3 de água por 2 km3 de água por dia, chega-se a tempo que se leva para consumir isto: 281 mil dias, ou 781 anos. Este é o ritmo de nosso consumo.

O que isso quer dizer? Se toda criança, mulher e homem decidir ir em "killing spree" com a água no mundo gastemos tudo em 781 anos. Ou não?

Bem, não...

Há outros fatores a se considerar... cerca de 70% da água é usada na agricultura, no final somente cerca de 10% é nosso realmente. Então isto que dizer que gastamos 10 vezes mais água do que a conta mostrou certo? Isto quer dizer que teremos 78 anos até que se esgote, não?

Agora leia com calma: 10 bilhões de pessoas irão gastar os 0.1% de água usável do mundo em 78 anos! Mesmo considerando crescimento demográfico e outras variáveis é razoavelmente seguro se supor que em um horizonte de 50 anos não deveria ainda haver problema com a água.

Posto em outras palavras, se considerarmos o problema teremos de ter uma solução para transformar este 0.1% em uma percentual maior dentro de 50 anos. Preferencialmente dobrar ou decuplicar esta fração.

Mas claro que isto ainda está errado.

Eu estou supondo que os 200 litros que cada um usa desaparecem da face da terra, indo para um buraco negro, sexta dimensão ou coisa que valha.

Evidentemente que não é assim que a coisa funciona... A água tem um ciclo. pergunte a si mesmo qual foi a variação na quantidade de água na terra do início da era do homem até agora...

Mas como queremos simplificações, a idéia do buraco negro não é de toda ruim.

Então:

Consumo de 200 litros por dia, temos 50 anos até que se esgote, certo?

Quais são as possíveis soluções?

  1. Se usarmos conseguirmos um processo que permite usar não apenas a água potável (0.1%), mas uma fração da água não potável (99.9%). Mesmo que esta nova fração fosse de 0.1%, ainda teríamos 0.0999% a mais, totalizando 0.1999% ou 0.2%. Se mantivermos as mesmas taxas com relação ao consumo de água usável (0.09% para outras finalidades e o restante para consumo humano) passariamos a ter uma margem gigantesca de manobra (de 0.01% para 0.11%). E aí saírimos da faixa de 50 anos para faixa de 500 anos.
  2. Se conseguirmos melhorar o reaproveitamento do nosso consumo. Se gastarmos 200 litros, mas devolvermos em estado aproveitável 100, estaríamos dobrando o nosso tempo de uso de 50 para 100 anos.
  3. Se diminuirmos o nosso consumo de água a metade como um todo, passamos de 50 anos para 100 anos.

Das três alternativas, a primeira é a com maior potencial para soluções de longo prazo. Mas infelizmente, o modo mais simples de mudar o perfil das pessoas com relação ao consumo de alguma mercadoria é alterar o preço desta mercadoria. Naturalmente fica a questão: qual é a elasticidade da água utilizável?

É verdade, tudo indica que esta é a alternativa mais fácil: aumentar o preço da água.

Mas não é a alternativa que realmente irá resolver o problema...

Vamos para o caso da energia:

se desconsiderarmos o efeito geotérmico, temos que a maior parte da energia que recebemos vem do sol. Esta é transformada em calor, nas ligações químicas e um tico em energia cinética.

Bom temos cerca de 500 W/m2 a 1000 W/m2 chegando na terra. Vamos considerar o menor e apenas o que chega a cada instante. Nesse caso a área é 140 milhões de quilometros quadrados. Vamos simplificar mais uma vez e dizer que apenas 1/4 disso é realmente usado. Temos então 35 milhões de quilometros quadrados. Bom, 1 quilometro quadrado e 1 milhão de metros quadrados, o que transforma o valor inicial em 35 trilhões de metros quadrados. Multiplicando isso pela densidade de potência temos 17.5 quatrilhões de Watts chegando na terra.

Se apenas 1 % disto é aproveitado temos 175 trilhões de Watts (ou 175 TW). Considerando 10 bilhões de pessoas, dá 17.5 kW para cada uma delas. Em termos de energia isto significa 63 MWh para cada uma. Isso é o sol apenas.

Mas para que que estou calculando a energia?

O motivo é simples: se precisarmos converter água do mar em água potável a alternativa como fonte de energia é clara: energia solar. Se formos bastante eficientes na conversão de energia solar 1 painel de 1 metro quadrado sob luz solar constante (500 W/m2) gera 50 W. Infelizmente, o número médio está mais para uma fração disso - digamos 25 W.

Então a cada metro quadrado de área terei 25 W para usar. 10 metros quadrados dão 250 W e 40 metros quadrados dão 1 kW (mais ou menos uma tomada no seu limite de fornecimento).

Um problema: a energia obtida é DC e não AC. Para utilizarmos as vantagens do AC teremos de utilizar inversores. Isso diminui a eficiência do processo. Resta saber quanta energia será gasta no processo de conversão de água do mar para água potável.

Bem, se ao invés de pensarmos em água potável pensarmos em água destilada, o cálculo fica mais simples. 1 J é a energia para aumentar 1 litro em 1 grau. Se eu quero aumentar em 100 graus (ferver), então gastarei 100 J/litro. Considerando perdas vamos dizer que gastariamos 1kJ/L. Para os 200 litros por dia, isto significa 200 kJ (0.2 MJ). Como 1 kilowatt-hora é 5.6 MJ então para um gasto de 200 litros por dia gastaríamos em 1 mês 6 MJ ou pouco mais de 1 kWh.

Ou seja para os quase 200 milhões de brasileiros teríamos uma demanda mensal de cerca de 200 GWh. Esta é a demanda adicional. Em termos do pico teríamos a demanda adicional de 5 minutos/30 dias * 200 GWh - 0.023 GW ou 23 MW (Belo Monte tem 11 MW de pico e 4.3 MW garantidos).

Então destes 23 MW necessários (no pico), pode-se afirmar que:

  • A eficiência de dessalinização é chave para manter a disponibilidade de água barata para todos
  • O custo do MWh é chave para disponibilizar água barata

Então, alguém ainda acha que não precisamos de mais energia?

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Os Bruzundangas

Este é o título de uma obra de Lima Barreto. O tema me foi sugerido por um grande colega aqui do departamento de Engenharia Elétrica. Na obra Lima Barreto trata de um Brasil imaginário (porém surpreendentemente realista) em que ele descreve o funcionamento deste país "fictício".

O texto está disponível na web. Coloco aqui apenas um trecho de um dos capítulos:

OS leitores que têm seguido estas rápidas notas sobre os usos e costumes, leis e superstições da República da Bruzundanga, não devem ter esquecido que o seu presidente é chamado "Mandachuva", e oficialmente.


Já dei até algumas das exigências constitucionais que os candidatos têm de preencher, a fim de ascenderem à curul presidencial daquele país, que fica próximo da ilha dos Lagartos, tão bem descrita pelo meu concidadão Antônio José, que as fogueiras da Inquisição queimaram em Lisboa.


O que pretendo agora, nestas linhas, é fornecer aos leitores o tipo de um presidente da curiosa República, infelizmente tão mal conhecida entre nós - cousa de lastimar, pois ela nos podia fornecer modelos que nos levassem de vez a completo desastre. Il faut finir, pour recommencer...


A não ser que suba ao poder, por uma revolta mais ou menos disfarçada, um General mais ou menos decorativo, o Mandachuva é sempre escolhido entre os membros da nobreza doutoral; e, dentre os doutores, a escolha recai sobre um advogado.


É justo, pois são os advogados ou bacharéis em direito que devem ter obrigação de conhecer a barafunda de leis de toda a natureza, embora a arte de governar, segundo o critério dos que filosofam sobre o Estado e o admitem necessário, não peça unicamente o seco conhecimento de textos de leis, de artigos de códigos, de opiniões de praxistas e hermeneutas.


As leis são o esqueleto das sociedades, mas a feição de saúde ou doença destas, as suas necessidades terapêuticas ou cirúrgicas, são dadas pelo prévio conhecimento e exame, no momento, do estado de certas partes externas e dos seus órgãos vitais, que são o seu comércio, a sua indústria, as suas artes, os sonhos do seu povo, os sofrimentos dele - toda essa parte mutável das comunhões humanas, cambiantes e fugidia, que só os fortes observadores, com grande inteligência, colhem em alguns instantes, sugerindo os remédios eficazes e as providências adequadas, para tal ou qual caso.


Como dizia, porém, na Bruzundanga, em geral, o Mandachuva é escolhido entre os advogados, mas não julguem que ele venha dos mais notáveis, dos mais ilustrados, não: ele surge e é indicado dentre os mais néscios e os mais medíocres. Quase sempre, é um leguleio da roça que, logo após a formatura, isto é, desde os primeiros anos de sua mocidade até aos quarenta, quando o fizeram deputado provincial, não teve outro ambiente que a sua cidadezinha de cinco a dez mil habitantes, mais outra leitura que a dos jornais e livros comuns da profissão - indicadores, manuais, etc.; e outra convivência que não a do boticário, do médico local, do professor público e de algum fazendeiro menos dorminhoco, com os quais jogava o solo, ou mesmo o "truque" nos fundos da botica.


É este homem que assim viveu a parte melhor da vida, é este homem que só viu a vida de sua pátria na pacatez de quase uma aldeia; é este homem que não conheceu senão a sua camada e que o seu estulto orgulho de doutor da roça levou a ter sempre um desdém bonanchão pelos inferiores; é este homem que empregou vinte anos, ou pouco menos, a conversar com o boticário sobre as intrigas políticas de seu lugarejo; é este homem cuja cultura artística se cifrou em dar corda no gramofone familiar; é este homem cuja única habilidade se resume em contar anedotas; é um homemdestes, meus senhores, que depois de ser deputado provincial, geral, senador, presidente de província, vai ser o Mandachuva da Bruzundanga.


Hão de dizer que, passando por tão-altos cargos que se exercem em grandes cidades, nas capitais, o futuro Mandachuva há de ter recebido outras impressões e ganhar, portanto, idéias mais amplas. 


Naturalmente, ele há de adquirir algumas, mas não tantas que modifiquem a sua primitiva estrutura mental.


Durante este longo tempo em que ele passa como deputado, senador, isto e aquilo, o esperançoso Mandachuva é absorvido pelas intrigas políticas, pelo esforço de ajeitar os correligionários, pelo trabalho de amaciar os influentes e os preponderantes, na política geral e regional. A sua atividade espiritual limita-se a isto.


Os preponderantes e influentes têm todo o interesse em não fazer subir os inteligentes, os ilustrados, os que entendem de qualquer cousa; e tratam logo de colocar em destaque um medíocre razoável que tenha mais ambição de subsídios do que mesmo a vaidade do poder.


Além disso, eles têm que atender aos capatazes políticos das localidades das províncias; e, em geral, estes últimos indicam, para os primeiros postos políticos, os seus filhos, os seus sobrinhos e de preferência a estes: os seus genros.


A ternura do pai quer sempre dar essa satisfação à vaidade das filhas.


O futuro chefe do governo da Bruzundanga começa a sua carreira política pela mão do sogro; e, relacionando-se com os bonzos de sua província, se é esperto e apoucado de inteligência e saber, faz-se ainda mais; na maioria dos casos, porém, não é preciso tanto. Os caides ficam logo contentes com ele. Mandam-no para a Câmara Geral; e, durante a primeira legislatura, encarregam-no de comprar ceroulas, pares de meias, espingardas de dous canos, óculos de grau tanto, de ir às repartições ver tal requerimento, de empenhar-se pelos exames dos nhonhôs, etc...


Quando acaba a legislatura, o Messias anunciado para salvar a Bruzundanga é possuidor de todo esse acervo de serviços ao partido. É reeleita. A sua lealdade e o seu natural prestativo indicam-no logo para leader da bancada, senão da Câmara. Ei-lo em evidência. Os jornalistas, grandes e pequenos, não o deixam, elogiam-no, dão-lhe o retrato nas folhas, fazem pilhérias a respeito do homem; e ele autoriza a publicação de atos oficiais do governo de sua província, cujas contas o erário departamental paga generosamente aos seus jornais e revistas.


Os calenders provincianos estão cada vez mais contentes com ele e o nosso homem já economizou, sobre subsídios, mais do que a mulher trouxe para a sociedade conjugal.


É um homem metódico, pontual nos pagamentos, não gasta dinheiro em cousas inúteis, como seja em livros.


Uma noite ou outra, vai ao Teatro Lírico, mas logo se aborrece, não só ele como a futura Mme. Mandachuva. Preferia, madame, estar a dormir naquela hora, e ele a jogar solo na botica, antes do que permanecerem ali, apertados nos vestuários, a ouvir umas cantorias em língua que não entendem. Que saudades do gramofone! Para ele, há secas piores...


Ainda a música ele suporta um tanto, mas as tais exposições de pintura, as sessões de Academias... Irra! Que estafa!


Foge de ir a elas; e todo o seu medo é vir a ser presidente da Bruzundanga, pois será obrigado a comparecer a tais festas.


A sua leitura continua a ser os jornais, porém não pega mais nos manuais, nos indicadores de legislação.


As necessidades artísticas de sua natureza se cifram no gramofone doméstico e nos cinemas urbanos ou do arrabalde em que reside. Faz coleção dos programas destes últimos e, com eles, organiza a sua opulenta biblioteca literária.


A proporção que sobe, mostra-se mais carola; não falta à missa, aos sermões, comunga, confessa-se e os padres e irmãs de caridade têm-no já por aliado. Ah! Quem o visse contar certas anedotas sobre padres, jogando o "truque", nos fundos da botica de sua terra!... História antiga! O homem, hoje, é sinceramente católico, e tanto assim que acompanha procissões de opa ou balandrau.


A ascensão dele a Senador até coincidiu com a sua eleição para irmão fabriqueiro da Santíssima Irmandade e Santo Afonso de Ligório e também com a de definidor da Santíssima e Venerável Irmandade de Santo Onofre.


As cousas vão assim marchando; e ele, sempre calado, deixa-se ficar, rodando a manivela do gramofone e do seu moinho de rezas.


Há uma complicação na escolha do Governador da província das Jazidas, onde ele nasceu. Os caides não se entendem e o seu nome é apontado como conciliador, escolhido e eleito. Aborrece-se um pouco, pois já estava habituado com a capital do país, e muito gostava dela, apesar de mal a conhecer. Toma posse, entretanto. Surge, ao meio do seu governo regional, não entre os caides, mas na comunhão dos emires que governam o país, um desaguisado, com o problema da sucessão do Mandachuva, cujo tempo está a acabar. O nosso homem não se define. Continua a dar corda no seu enorme e fanhoso gramofone e a rodar a manivela do seu moinho de rezas. Os padres, que são seus aliados, não o abandonam; e nos bastidores, por intermédio das mulheres dos políticos, insinuam-lhe o nome para o alto cargo de Mandachuva. Ei-lo eleito, toma posse do cargo e do alcatifado palácio que a nação lhe dá para residência.


O seu primeiro cuidado, e também da mulher, é fechar diversos aposentos para diminuir o número de serviçais, de modo afazer economias na verba de representação.


O cargo dá-lhe certos incômodos, mas muitas vantagens: não paga selo nas cartas, não paga bonde, trem, nem teatros, onde continua a quase não ir. O que o aborrece, sobretudo, são as audiências públicas - uma importunação para esse parente de São Luiz. Mais o amolar que lhe dão fadiga. Ao sair de uma delas, diz à mulher:


- Que povo aborrecido!


- Mas que tem você com o povo? - pergunta Mme. Mandachuva, a Egéria conjugal.


Para distrair-se, o esclarecido Mandachuva compra um bom gramofone e instala no palácio um cinema.


É conveniente lembrar que, nesse mesmo palácio, ao tempo em que a Bruzundanga era Império, executores famosos no mundo inteiro tinham tocado obras-primas musicais, no violino e no piano. 


Houve progresso...


Eis aí um Mandachuva perfeito.