O futuro do pretérito a Deus pertenceria!
Sempre lembro dela quando leio algo que é claramente especulação. Um exemplo é um texto de Fernando Rodrigues sobre Brasília. O pedaço que é especulativo é este aqui:
3) Interiorizar o desenvolvimento – construir a nova capital no Centro-Oeste ajudaria a desenvolver economicamente a região, até então pouquíssimo povoada. Assim seria consertado o mau costume dos portugueses, que até fizeram incursões pelo interior, mas gostaram mesmo de se instalar apenas no litoral.A verdade é que não é nem remotamente possível imaginar o que aconteceria se Brasília não tivesse sido construída. Todo o comentário do Blog é pura especulação. Saber o que teria acontecido se este ou aquele fato não tivesse ocorrido é puro exercício de imaginação.
Comentário do Blog: esse foi o argumento mais sensato. Mas a teoria não saiu do papel. Aos 52 anos, Brasília só sobrevive graças ao dinheiro público da União. O Centro-Oeste é uma região agrícola que não dependeu em nada da chegada da capital federal para o interior de Goiás, para um local inóspito e inabitado (nem índios se interessavam pelo local onde hoje é Brasília).Houve ainda um efeito colateral terrível: a degradação da região urbana no Rio, que certamente não teria enfrentado tanta degradação e presença de grupos criminosos se a capital da República tivesse permanecido por lá.
Mas será que não há um modo de fazer esta especulação pelo menos mais científica?
Sim, há! Eu já mencionei antes no blog que poderíamos avaliar casos assim como uma soma de histórias. A idéia é imaginar os possíveis caminhos e desdobramentos da realização ou não de uma ação.
O exemplo no caso de Brasília é o PIB. Como seria o PIB da região centro-oeste se Brasília não tivesse sido construída? Seria maior? Seria menor? Seria igual?
Há indicações que provavelmente seria menor. Isso dá para ver aqui:
Participação PIB | 1950 | 1960 | 1970 | 1980 |
Centro-Oeste | 1,79 | 2,46 | 3,87 | 5,39 |
Norte | 1,71 | 2,23 | 2,16 | 3,34 |
Nordeste | 14,65 | 14,78 | 11,71 | 11,96 |
Sul | 16,29 | 17,77 | 16,71 | 16,97 |
Sudeste | 65,55 | 62,76 | 65,55 | 62,34 |
Brasil | 100,00 | 100,00 | 100,00 | 100,00 |
De 1950 a 1960, a participação do Centro-Oeste no PIB subiu 37%, já de 1960 a 1970 o aumento foi de 57%. Hoje a participação na economia é de cerca de 8%. Esta outra tabela também é bem significativa:
REGIÃO | 1950 | 1960 | 1970 | 1980 |
Centro-Oeste | 1.218.864,40 | 2.919.369,30 | 9.633.658,40 | 35.720.042,40 |
Norte | 1.164.866,70 | 2.644.151,90 | 5.380.920,50 | 22.138.911,30 |
Nordeste | 9.958.847,30 | 17.553.028,40 | 29.126.921,30 | 79.249.554,20 |
Sul | 11.078.898,10 | 21.106.141,90 | 41.580.262,50 | 112.488.170,40 |
Sudeste | 44.568.858,30 | 74.535.362,30 | 163.098.997,50 | 413.095.048,40 |
Brasil | 67.990.334,80 | 118.758.053,80 | 248.820.760,20 | 662.691.726,70 |
Ela mostra o PIB atualizado para reais do ano 2000. De 1960 até 1980, o PIB nacional cresceu 458% e o do Centro Oeste cresceu 1123%. Quem também cresceu foi a região Norte (lembram-se da Belém-Brasília?). Hoje o PIB do Centro Oeste é de cerca de 279 bilhões.
Então, o que aconteceria se não houvesse Brasília? Difícil dizer, mas podemos supor que o Centro-Oeste e o Norte iriam seguir com o crescimento médio do país. Neste caso, consideramos apenas o crescimento de 1950 até 1980 do Sul e do Sudeste. Com isso temos uma taxa de 844% de 1950 até 1980. Então temos aqui, o Brasil de 1980 sem Brasília:
REGIÃO | 1950 | 1980 |
Centro-Oeste | 1.218.864,40 | 10.293.094,12 |
Norte | 1.164.866,70 | 9.837.093,10 |
Nordeste | 9.958.847,30 | 84.100.702,73 |
Sul | 11.078.898,10 | 93.559.333,49 |
Sudeste | 44.568.858,30 | 376.376.119,66 |
Brasil | 67.990.334,80 | 574.166.343,10 |
O que acontece se consideramos também o Nordeste? Bem, não há melhoria nenhuma.
REGIÃO | 1950 | 1980 |
Centro-Oeste | 1.218.864,40 | 8.730.639,16 |
Norte | 1.164.866,70 | 8.343.857,47 |
Nordeste | 9.958.847,30 | 71.334.516,13 |
Sul | 11.078.898,10 | 79.357.360,49 |
Sudeste | 44.568.858,30 | 319.243.567,61 |
Brasil | 67.990.334,80 | 487.009.940,86 |
Com isso podemos fazer finalmente uma estimativa mais próxima da "soma de histórias". Supondo a probabilidade de Brasília existir ou não como 50% (cara-ou-coroa) chegamos a
PIB_Esperado=p(não existir Brasília)*PIB(Sem Brasília)+p(existir Brasília)*PIB(Com Brasília)
PIB_Esperado= 0,5*574.166.343,10+0,5*662.691.726,70 = 618.429.034,90
Como o PIB com Brasília é maior que o PIB da soma de histórias, então a presença de Brasília alterou o PIB positivamente.
Podemos é claro brincar com as probabilidades - desde considerar Brasília muito improvável (o que faz o PIB esperado tender ao valor sem Brasília - e faz o impacto positivo de Brasília maior ainda), ou podemos considerar Brasília como muito provável (o que faz o PIB Esperado tender ao PIB com Brasília e diminui o impacto da cidade no valor do PIB - mas ao mesmo tempo torna a criação de Brasília como inevitável).
Fazendo este exercício de estudo de caso então se poderia ao menos tomar algum tipo de posição. Naturalmente além do PIB temos outros indicadores: densidade demográfica, consumo de energia, rodovias, etc...